Revista Sobretrilhos

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Dezembro 2021

Publicação do Grupo Via Brasil

O NOVOMARCO

REGULATÓRIO DAS FERROVIAS -

Cenário

Análise

Opinião

O novo metrô de São Paulo

O desafio das shortlines

Tendências da mobilidade urbana


DORMENTES DE CONCRETO CAVAN A MARCA QUE O TEMPO NÃO APAGA

DORMENTES DE CONCRETO PARA CARGAS E PASSAGEIROS DORMENTES PARA AMV DORMENTES MONOTRILHO DORMENTES PARA CONTRATRILHO DORMENTES ESPECIAIS

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Carta ao leitor Caro leitor É com imenso prazer que retornamos ao mercado editorial após tantos percalços causados pela pandemia do Covid-19. Mas não poderíamos voltar em melhor estilo. O setor ferroviário está passando por um momento único, com a aprovação do Novo Marco Regulatório Ferroviário – com direito a matéria de capa – que vai permitir investimentos da iniciativa privada em novos projetos de ferrovias, impulsionando definitivamente todo o segmento de logística do país. Por isso, fomos a campo para saber dos principais players do setor ferroviário e especialistas do mercado o que eles pensam e preveem para um futuro próximo. Além disso, preparamos matérias bem bacanas sobre diversos assuntos, não só envolvendo a logística como também os caminhos do metrô de São Paulo, a tecnologia dos trens levitantes ultrarrápidos, reflexões e novidades sobre mobilidade urbana, o projeto de um novo terminal de passageiros de cruzeiros em Santos, trens de turismo pelo Brasil e muito mais... Esperamos que você saboreie cada linha para ficar afinado com as novidades e nos mande seu feedback pelos nossos canais na Internet a fim de que possamos preparar a próxima edição ainda melhor. Um abraço e boa leitura! Beni Landini

EXPEDIENTE DIRETORA EXECUTIVA Beni Landini benil@viabrasilcomunicacao.com.br

COMERCIAL Alexandra Escudero alexandra@viabrasilcomunicacao.com.br

CONSELHO EDITORIAL Auro Doyle Elisabete Azevedo Emiliano Stanislau Affonso Neto Jean Pejo Marco Baldassin Sergio Inácio Ferreira Vicente Abate

JORNALISTA RESPONSÁVEL Leonardo Millen MTB 20797 - 23/04/1990 COLABORAÇÃO Beatriz Gomes de Arruda, fotógrafa Diogenes Pierre Gonzales, jornalista Marco Barone, jornalista

ASSISTENTE DE COMUNICAÇÃO E FOTOS COORDENAÇÃO GERAL Bruno Panseri Solange Salva solangesalva@viabrasilcomunicacao.com.br bruno@viabrasilcomunicacao.com.br

REVISÃO Luciana Pareja Norbiato

contato@viabrasilcomunicacao.com.br (11) 3631-1107 Av. Ibirapuera, 2033 - Cj 114 Moema - São Paulo/SP CEP 04029-100

DIAGRAMAÇÃO Leandro Schuques IMPRESSÃO Gráfica IMPRENSA imprensa@viabrasilcomunicacao.com.br

UMA PUBLICAÇÃO

CNPJ 15.688.640/0001-13 Ano 4 - Edição 8

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Sumário FERROVIAS | MODAIS ALÉM DOS TRILHOS ABEE-SP............................. 14 ANTP.................................. 16 ANPTrilhos......................... 17 AEAMESP........................... 18 ABIFER............................... 20 IPT...................................... 21 SIMEFRE............................ 22 IVM.................................... 88 AFPF................................... 89

ESTAÇÃO TURÍSTICA PELO MUNDO Novidades do .................... 90 Pullman Britânico

OPINIÃO.............................................................. 06 O novo Marco Regulatório das Ferrovias

MERCADO............................................................ 24 O desafio das commodities sobre trilhos

LOGÍSTICA............................................................ 30 As apostas na integração dos modais

ANÁLISE............................................................... 36 O desafio das shortlines

TECNOLOGIA........................................................ 42 Os trens do futuro

CENÁRIO.............................................................. 46 Os investimentos do metrô na capital paulista

PERFIL................................................................. 52 VLI investe na integração dos modais

ESTAÇÃO TURÍSTICA PELO BRASIL

MODAIS :: PORTOS............................................... 56

Expresso Vale das.............. 92 Frutas

Portos não são armazéns de cargas

Santos projeta novo terminal

MODAIS :: PORTOS............................................... 60 por: Leonardo Millen

MOBILIDADE URBANA

AGENDA Eventos, cursos, ................ 97 fóruns, congressos, feiras

OPINIÃO..............................................................64

CURIOSIDADES

ENTREVISTA.........................................................72

E muito mais....................98

Quais são os desafios e as tendências da mobilidade urbana? 27a Semana de Tecnologia debateu o futuro do setor

CENÁRIO..............................................................76 Vá de bicicleta

PESQUISA............................................................80 Como será a mobilidade urbana depois da pandemia

VITRINE...............................................................84 Dicas de produtos por: Marco Barone

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Opinião

O NOVO

MARCO REGULATÓRIO DAS FERROVIAS Entrevista com Jean Pejo

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O Brasil finalmente ganhou um novo Marco Regulatório para o setor ferroviário que vai revolucionar a logística no país


O

Brasil finalmente ganhou um novo Marco Regulatório para o setor ferroviário que vai revolucionar a logística no país. O Senado aprovou em setembro último o Projeto de Lei 261/2018, que cria um Marco Legal para as Ferrovias no Brasil, com novas regras e definições que buscam facilitar processos e atrair investimentos privados para o setor. A proposta do Marco Legal está em análise pelo Senado desde 2018, quando foi apresentada pelo senador licenciado José Serra (PSDB-SP). O texto atualizado e aprovado pelo Senado foi elaborado pelo relator do projeto, o senador Jean Paul Prates (PT-RN). O projeto seguiu para aprovação na Câmara, onde aguarda votação. Enquanto isso, valem as regras da Medida Provisória 1.065/2021. Editada pelo governo em agosto, trata do mesmo tema. Medidas provisórias começam a valer assim que são publicadas no “Diário Oficial da União”, mas precisam ser votadas pelo Congresso em até 180 dias para não perder a validade. Ou seja, até fevereiro de 2022 haverá uma definição sobre o novo Marco Legal, mas tudo indica que o Projeto de Lei do Senado será confirmado. A edição da MP se justifica porque o governo entendeu a importância do regime de autorização. E se sentiu pressionado, porque os estados começaram a dar essas autorizações por conta própria. Nesse contexto, surgiram três situações envolvendo as autorizações: a do projeto de lei, a dos estaduais e a MP do governo. “Mas são propostas que se ajustam muito bem. O interesse do Legislativo e do Executivo é fomentar novamente o setor,

propiciando uma logística melhor para o Brasil, com mais ferrovias operando em um regime regulatório mais simplificado”, garante Jean Pejo, ex-Secretário Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos (SeMob) e um dos mais respeitados especialistas do setor, que explicou à Sobretrilhos vários pontos do Marco Legal, discutidos a seguir. Segundo ele, a criação do Marco Legal é fundamental para criar uma legislação nacional que valha, inclusive, para balizar a operação estadual das linhas. “As autorizações têm um prazo maior do que o regime de concessões. Uma autorização segundo o PL 261 pode chegar a 90 anos. Todo esse arcabouço que está se montando com o Marco Legal, mesmo sendo simplificado, é um programa de Estado. Cabe aos governos estaduais cumprir aquilo que foi determinado na regulamentação nacional e dentro de um projeto de Estado”, defende Pejo. CAPITAL PRIVADO O principal ponto da proposta do Novo Marco Legal é a possibilidade de autorização para a iniciativa privada construir ou comprar trechos ociosos de ferrovias para a exploração do transporte sobre trilhos, tanto de carga quanto de passageiros. Atualmente, a infraestrutura e o transporte ferroviários são explorados apenas pelo regime de concessão. Nesse modelo, o Poder Público controla a atividade e concede a exploração da ferrovia a uma concessionária, de acordo com uma proposta de operação e de atividade econômica com uma contrapartida para o governo. O modelo de concessão também é previsto na proposta do novo Projeto de Lei.

Já o regime de autorização é basicamente voltado para a iniciativa privada, com uma base regulatória bem mais simplificada do que no modelo de concessões. A iniciativa privada irá atuar em todo o processo de construção, manutenção e operação das ferrovias, com participação governamental menor ou ínfima, dependendo do tipo de negociação. Os riscos para o investidor são maiores, mas o retorno financeiro também tende a ser mais elevado. Diferentemente do regime de concessão, a autorização pode ser concedida sem que haja uma licitação formal. A outorga pode ser feita mediante um contrato de adesão, desde que a proposta atenda aos requisitos previstos no novo Marco e nas Leis brasileiras. Esse regime de autorizações já vigorou há muitos anos no Brasil, no início das construções das ferrovias. “Existiam ferrovias como a Paulistana, a Sorocabana, mas foram estatizadas com a criação da Rede Ferroviária Federal e a Fepasa, em São Paulo. A Vale do Rio Doce também operava o transporte de minério de Minas para Vitória. Depois veio a construção da ferrovia dos Carajás. Todas eram empresas de governo”, conta Pejo. Ele recorda que, nos anos 90, essas empresas perderam sua capacidade de investimento, dando início ao processo de concessão. “Entretanto, há uns 15 anos, uma nova realidade demandou a antecipação das renovações dos contratos de concessão. E aí ficou evidente que era necessário expandir a malha ferroviária e modernizar os serviços. E um dos problemas desta renovação era a base regulatória muito complexa”, explica Pejo.

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Cabe ao governo ajustar a regulação da participação das empresas autorizadas junto às demais concessionárias

Jean Pejo, ex-Secretário Nacional da SeMob e especialista do setor

GREENFIELD X BROWNFIELD O regime de autorizações do novo Marco Regulatório trará o capital privado para a construção e operação de novas ferrovias em duas situações distintas. A primeira contempla os empreendimentos chamados Greenfield, aqueles que começam do zero. Ou seja, a empresa solicitante vai investir na construção de uma ferrovia porque existe uma condição comercial favorável, seja para atender ao agronegócio, à indústria, ao transporte de passageiros ou à mineração, por exemplo. E existem os projetos chamados Brownfield, que aproveitam os mais de 15.000 km de ferrovias já existentes no Brasil. Abandonada ou parcialmente utilizada, essa malha pode ser melhor trabalhada nos mesmos moldes comerciais. Pejo acredita que o Novo Marco Regulatório vai impulsionar a construção e a operação de pequenos trechos, as chamadas shortlines (linhas curtas). “Tenho trabalhado no desenvolvimento das shortlines há alguns anos e a grande dificuldade da sua implementação era o Marco Regulatório. Elas são economicamente inviáveis dentro do modelo de concessão 8 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

convencional. Agora, no regime de autorização, com certeza a maioria das linhas será curta”, garante. Segundo o especialista, o regime de autorizações vai viabilizar, por exemplo, a conexão de uma fazenda até um terminal ferroviário por ser bem mais econômico do que a construção de uma rodovia. “A questão do custo decide. Como também no aproveitamento de muitas linhas hoje sem operação, que não cabem nas grandes concessionárias porque o custo do capital não compensa, mas que podem compensar para empresas que vão ter um custo de capital mais baixo”. O PAPEL DO GOVERNO O novo Marco Regulatório redefine também o papel do governo Federal na condução do setor. Segundo Pejo, o poder concedente deve primeiro definir os procedimentos regulatórios para que, mesmo nesse sistema mais simplificado, existam obrigações, compromissos e responsabilidades a serem cumpridos pela empresa autorizada. “Além desse papel, cabe ao governo também definir em quais empreendimentos o regime de autorização deve ser aplicado, afinal temos várias ferrovias em concessão que são regidas por um modelo regulatório muito mais pesado. Então, para promover um sistema de concorrência justa, isso tem que ser muito bem definido, e o governo tem um papel fundamental nessa questão”, salienta. Na visão de Pejo, o governo também precisa atuar como mediador da relação entre as empresas autorizadas e as sob concessão, porque é necessário haver

uma regra que permita o direito de passagem dos trens de uma ferrovia autorizada por linhas concedidas. “A ferrovia é um modal muito importante no Brasil para o setor de exportação de commodities e o papel dos portos é enorme. Praticamente todos os portos hoje em operação são acessados pelas ferrovias concessionárias para abastecer os navios, então cabe ao governo também ajustar essa regulação da participação das empresas autorizadas junto às demais concessionárias”, alerta Pejo. OCIOSAS Um terço da malha ferroviária brasileira hoje está ociosa, sem operação. Tudo indica que o Marco Legal das Ferrovias devolverá à vida esses ramais ferroviários espalhados pelo Brasil. O texto estabelece mecanismos para devolução de partes da malha ferroviária que estejam abandonadas pelas concessionárias, permitindo ao governo a realização de chamamento público para a autorização de exploração desses trechos. O objetivo é resgatar e viabilizar inúmeros trechos inoperantes. “Os projetos de Brownfields, que aproveitam trechos ociosos ou devolvidos, poderão ser trabalhados em regime de autorização. Mas cabe salientar que, desse total de malha subutilizada, pode ter trechos em que não há interesse mesmo. Então eles deverão ser trabalhados pelas prefeituras e pelos Estados no sentido de fazer o melhor aproveitamento possível da faixa existente”, recomenda Pejo. O problema maior será promover o transporte de passageiros. “Existirão trechos em que os trens de passageiros poderão ser incluídos no regime de autorização. O que me parece mais difícil, mas não impossível, é algum trecho ser aproveitado unicamente para transporte de passageiros”, afirma Pejo. Segundo o especialista, na maioria dos casos, o interesse principal será o transporte de carga. Pode até haver um aproveitamento para transporte de passageiros, incluindo alguns vagões nos trens de carga. “Entretanto, as concessionárias operam hoje em ferrovias de grandes distâncias, com trens longos e pesados. Os


terminais são adaptados apenas para carga e descarga, ou seja, não têm afinidade com trens de passageiros. Já as autorizações para trechos menores, com trens menores, sem dúvida nenhuma terão muito mais afinidade para trens de passageiros”. Mas há alternativas. Para Pejo, o transporte de passageiros pode muito bem ser uma fonte de recursos, mesmo que o operador não tenha interesse em realizar esse tipo de transporte. “Ele pode alugar um horário para um trem turístico ou para uma empresa terceirizada interessada em usar o trecho para transporte de passageiros”, recomenda. DESAPROPRIAÇÕES Trazer uma ferrovia ociosa de volta à vida vai melhorar regiões que se encontram abandonadas e até ambientalmente degradadas, pois terão que ser necessariamente recuperadas. Já os trechos novos que forem passar por terras de vários proprietários demandarão regras claras para desapropriações. “É muito importante isso ficar bem claro dentro do regime de autorizações. Nos Brownfields, como os traçados já estão definidos, praticamente não existem desapropriações a serem feitas. Essa é uma vantagem que o regime de autorização traz. No entanto, para os trechos novos, de empreendimentos Greenfield, a desapropriação demanda uma regulamentação muito clara para remunerar os donos das terras”, afirma Pejo. Segundo o especialista, há bons exemplos em outros países, como o Japão, que não faz necessariamente uma desapropriação das terras e sim promove a participação dos donos das terras no empreendimento. “Isso provoca uma valorização do imóvel, porém a normativa brasileira não permite. Esperamos que, com o marco regulatório e o regime de autorizações, algumas ações, regras e leis subsequentes venham a garantir que essas ações tenham respaldo legal. É um tema a ser trabalhado com muito carinho, porque pode viabilizar muitos novos empreendimentos Greenfield”, garante Pejo. Já está em tramitação um projeto de lei que trata das desapropriações. Mais uma vez, o Congresso terá de ser ágil para impulsionar os negócios.

BENEFÍCIO PARA UM GRUPO O regime das autorizações não implica abertura de licitação. Essa é uma das vantagens na agilidade do sistema. Entretanto, se houver mais de uma empresa interessada num determinado trecho, seja ele já existente num projeto Brownfield, seja num projeto novo Greenfield, haverá chamamento público. É um modelo mais simplificado que um sistema de licitação convencional, mas com regras e definições que vão decidir qual empresa apresenta a melhor proposta para o interesse público. “O chamamento público vale tanto para os trechos que tiverem mais de um interessado como também em alguns trechos maiores, onde haja uma operação ferroviária em curso. Um exemplo típico é a malha Oeste, que se encontra em relicitação de concessão. Segundo a medida provisória e o projeto de lei, dentro do regime de autorização ela poderia ser apresentada como interessada. Se após o chamamento público aparecerem outros interessados, será realizado o processo tradicional de licitação. Não existe o caso de uma empresa interessada beneficiar-se porque apresentou uma proposta primeiro, ou de uma operadora do trecho requisitado ser beneficiada com a autorização”, garante Pejo. O Marco regulatório prevê, no entanto, que, nos seus primeiros cinco anos de vigência, o concessionário tenha direito de preferência para obtenção de autorização caso a ferrovia pretendida esteja localizada dentro da área de influência de uma concessão já existente.

polo tem que assumir também alguns satélites. Haverá casos em que certos polos e satélites estarão em regiões distantes sem nenhum apelo comercial, mas fundamentais para ligá-las ao restante do país. Nesses casos, o setor público vai ter que assumir sua responsabilidade. Porém, nas atuais autorizações estaduais, não foi prevista a inclusão de trechos de caráter mais social”, alerta Pejo. Por outro lado, o Novo Marco Regulatório permite a instalação de novas infraestruturas ferroviárias em zonas urbanas, desde que sejam observados o Plano Diretor Municipal e o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado. O Marco define ainda regras para o compartilhamento de infraestrutura ferroviária entre operadoras autorizadas de diferentes trechos, com valores negociados livremente entre as partes, com atuação da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) em caso de conflito. Outra inovação é a ideia de autorregulação pelas operadoras ferroviárias dos aspectos técnico-operacionais das ferrovias, como parâmetros para o tráfego de trens em um determinado trecho. A autorregulação passa a ser a regra, e a exceção será a interferência da ANTT (que regula o setor) nos aspectos técnicos. O projeto também prevê a possibilidade de migração das operadoras ferroviárias do atual regime de concessão para o novo regime de autorização, a critério da ANTT. Nesse caso, a concessionária terá de pagar pelo uso de bens públicos necessários à realização do transporte.

COMPENSAÇÃO Apesar do regime de autorizações criar muitas oportunidades de negócio, o setor privado só vai investir em trechos que efetivamente darão lucro, seja pela operação em si, seja porque aquela linha interessa para seus negócios. O setor privado não vai entrar em nenhum trecho que seja apenas de interesse social. “Cabe ao Estado assumir o compromisso de operar trechos de pouco ou nenhum valor comercial. Fazendo um paralelo com o Marco Regulatório do Saneamento, a solução foi criar um polo e seus satélites. A empresa privada que assumir um certo

ÁREAS COMERCIAIS O Novo Marco prevê que as operadoras das ferrovias também poderão explorar o entorno das estações ferroviárias com a construção de shoppings, escritórios e outras áreas comerciais, como ocorre em outros países. Elas também poderão negociar ou comercializar produtos e serviços no interior dos trens de passageiros, nas estações e demais instalações, um atrativo a mais para a iniciativa privada. FISCALIZAÇÃO O Marco Regulatório estabelece que a operadora será responsável por toda a execução

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do transporte e dos serviços complementares, pela qualidade do serviço prestado aos usuários e pelos compromissos que assumir no compartilhamento de sua infraestrutura e no transporte multimodal. É importante salientar que as empresas que queiram pleitear uma autorização têm de apresentar um plano de negócios detalhado, com previsão de investimentos bem definidos, elencando o que pretendem desenvolver ao longo do período da autorização. Tudo em detalhes e metas bem determinadas, a fim de que o poder autorizador possa aprovar ou solicitar uma complementação. Segundo o Marco Regulatório, após outorgadas, as autorizações e concessões serão fiscalizadas pela ANTT. No caso das outorgas estaduais, cada Estado tem sua regra própria, como Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Pará. Um setor da administração Estadual desempenhará o acompanhamento e a fiscalização das atividades previstas no contrato. No entanto, o Marco Legal é o parâmetro de alinhamento entre as instâncias estaduais e a política nacional do setor.

AVALIAÇÃO GERAL O Novo Marco Regulatório já está causando uma verdadeira revolução no setor, com forte retomada de investimentos. De acordo com o governo, já foram apresentados formalmente 14 pedidos privados de novas ferrovias, com previsão de construção de cerca de 5,3 mil quilômetros de trilhos e de investimentos de mais de R$ 80 bilhões. Antes do fim do ano, o número de autorizações deve subir para mais de 20 pedidos, e outras tantas provavelmente virão até o fim do vigor da medida provisória. As autorizações estaduais também já estão em andamento. “Temos casos em Minas Gerais desenvolvidos pela Fundação Dom Cabral e o famoso caso da Rumo, que ganhou a autorização para expansão da ferrovia de Rondonópolis para Sinop. O Paraná e São Paulo também estão se movimentando. Mas é bom lembrar que as autorizações estaduais valem para empreendimentos feitos dentro do Estado. Os empreendimentos que porventura passem por um ou mais Estados precisam da autorização do Governo Federal”, explica o especialista.

O CONTRATO DE AUTORIZAÇÃO Pela proposta, a autorização para exploração de ferrovia pela empresa requerente – ou vencedora de processo seletivo por meio de chamamento público, caso haja mais de uma interessada no trecho – deverá ser formalizada em contrato com prazo determinado. O contrato deve ter duração mínima de 25 anos e máxima de 99 anos. O prazo poderá ser prorrogado por períodos sucessivos, desde que a empresa autorizada manifeste prévio e expresso interesse, e esteja operando a ferrovia com padrões mínimos de segurança, produção de transporte e qualidade. O texto prevê que o poder público poderá vender, ceder ou arrendar à operadora privada bens públicos para a constituição da infraestrutura ferroviária. O contrato deverá conter uma série de cláusulas, como: • prazo de vigência; • capacidade de transporte; • programação de investimentos previstos; • direitos e deveres dos usuários; 10 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

Durante sua vigência, a medida provisória editada pelo Governo Federal vai ditar as regras das autorizações, mas deve ser substituída pelo projeto de lei quando expirar seu período de validade. Ele lembra que o regime de autorizações não substituirá o regime de concessões, ou seja, os dois modelos vão conviver harmonicamente. “Temos que considerar os investimentos que estão sendo feitos pelas concessionárias na ferrovia Mara Rosa - Água Boa, e também na ferrovia FICO, contribuindo para a integração do Centro-Oeste. A FIOL teve sua licitação em regime de concessão, e sua expansão deve ser oferecida para a iniciativa privada nesse mesmo modelo”. O certo é que o regime de autorização permitirá quase de imediato a construção de novas ferrovias, principalmente trechos menores, o que anima todos os agentes do setor ferroviário no país. Pejo é um deles. “Estou otimista. Esse regime vai propiciar muitos negócios no setor ferroviário. A capilaridade vai aumentar bastante. O Novo Marco Regulatório vai revolucionar a logística no Brasil”.

• regras técnico-operacionais; • condições para promoção de desapropriações; • penalidades e formas de aplicação de sanções. A proposta também prevê as hipóteses de extinção da autorização outorgada, em casos de cassação, anulação e falência da operadora, por exemplo. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO O pedido de autorização ferroviária apresentado pela operadora privada deverá conter uma série de informações técnicas, entre as quais: • minuta do contrato de adesão e memorial com os dados técnicos e condições de financiamento; • indicação do percurso total e das áreas adjacentes; • estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental; • características da ferrovia; • cronograma de implantação, com data para início das operações.


COM A PALAVRA

O RELATOR PRATES

O Senado aprovou, no último dia 5 de outubro, o Projeto de Lei 261/2018. Com relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), o PL cria um Novo Marco Legal das Ferrovias Brasileiras. Nesta entrevista exclusiva, ele esclarece alguns pontos do projeto que vai mudar o setor ferroviário no Brasil A proposta do Novo Marco Regulatório estava em análise pelo Senado desde 2018, quando foi apresentada pelo senador licenciado José Serra (PSDB-SP). Pelo que pudemos apurar, foi um trabalho imenso, no qual todos os interessados foram ouvidos. Talvez por isso o tempo para se chegar a um texto final tenha demorado tanto. Qual é o balanço final que o senhor faz do Projeto de Lei? A meu ver, obtivemos sucesso em articular vários atores relevantes, de modo a avançar a partir da proposta do Senador Serra. Aproveitamos o ensejo para expandir o escopo da proposta e entregar ao setor um verdadeiro marco regulatório, robusto o

suficiente para dar segurança jurídica no desenvolvimento das outorgas de ferrovias em regime público e privado. Nossa interlocução foi constante, inclusive com o governo, exemplificando nossa visão de oposição construtiva. O projeto seguiu para a aprovação na Câmara, mas um pouco antes, em agosto, o governo lançou uma medida provisória que é uma versão desse projeto com algumas diferenças. Quais seriam elas? Por que razão você acha que o governo agiu dessa forma? A MP 1065/2021 parte de uma versão antiga do substitutivo do relator ao PLS 261/2018, do final do ano passado, e

por isso possui um texto mais amadurecido posteriormente. Apesar de ambas proposições possuírem o mesmo espírito de modernização do setor ferroviário, entendemos que o debate parlamentar agregou de forma mais completa as demandas divergentes, conferindo maior legitimidade ao texto. Entendemos que o Governo editou a MP para tentar harmonizar procedimentos de outorga no Brasil de agora, mas achamos que o PLS 261/2018 é o texto mais apropriado, como um marco verdadeiramente nacional, e por isso será aprovado em breve. Um dos principais pontos do projeto de lei é a possibilidade de autorização à iniciativa privada para | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 11


construção e compra de ferrovias e exploração do transporte sobre trilhos também em regime privado. Em sua visão, qual seria o impacto em desenvolvimento para o setor? Tentamos traduzir para a realidade brasileira a flexibilidade das chamadas shortlines, as ferrovias não troncais que possibilitam o escoamento de produção, podendo baratear o frete e reduzir nossa dependência do transporte rodoviário. O setor deve se desenvolver não como um fim em si mesmo, mas de modo a fortalecer nossa infraestrutura produtiva, inclusive facilitando a exportação, mas não só. A capilarização da malha pelo fortalecimento dos investimentos privados é uma grande conquista para o país. No regime de autorização, a participação governamental é menor, mas não deixaria de existir. Onde o senhor acha que o governo deveria se concentrar? Entendemos que o novo Marco reforça a atuação do Estado de forma propositiva e planejadora, partindo das estruturas de formulação da política setorial, capaz de identificar e acionar a iniciativa privada no desenvolvimento desse potencial. Diante da atual situação fiscal do país, não faz sentido esperar que o Estado tenha recursos para investir na expansão do setor. Esse investimento ainda poderá ser feito, inclusive por meio de empresas públicas constituídas para esse fim, mas tratamos essa possibilidade como a exceção. Via de regra, o Estado vai propor chamamento público pa12 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

ra identificar interessados em explorar trechos com demanda identificada, facilitando esse fomento. Diferentemente do regime de concessão, a autorização pode ser outorgada sem que haja uma licitação formal. A outorga pode ser feita mediante um contrato de adesão, desde que a proposta atenda aos requisitos previstos na lei. Mas será que isso não abriria uma brecha para que autorizações num certo trecho sejam dadas em benefício de apenas uma empresa ou um grupo solicitante? O Marco não impede que a outorga de autorização para exploração de ferrovias seja concedida a mais de um interessado, mesmo com trechos idênticos. O desafio prático é que ferrovias demandam um grande investimento, transformando-se num chamado “monopólio natural”. Isso quer dizer que é economicamente ineficiente construir duas ferrovias paralelas, então quem receber a outorga provavelmente desincentivará outro interessado. A ideia é sempre tentar convergir as propostas para que tenhamos a maior capilarização possível da malha. Em trechos cruciais, caberá ao Estado avocar sua responsabilidade como planejador e oferecer outorga em regime público, por concessão, mediante licitação. Há trechos que não interessam à iniciativa privada porque não gerariam lucro suficiente para compensar a operação. No entanto, eles são vitais para interligar dis-

tâncias e viabilizar o desenvolvimento de regiões pouco assistidas do Brasil. Não seria o caso de propor um modelo de compensação ou algo parecido? No instituto da autorização não cabem grandes ingerências do Estado. O importante é apenas dar as balizas para que o empreendedor assuma o risco e busque sua atividade econômica. O tipo de compensação sugerida casa melhor com a figura da concessão, onde vigora a lógica do “filé com osso”: o Estado oferece um trecho muito rentável com a contrapartida de que se sustente outro trecho não tão vantajoso, mesmo que importante social ou economicamente. O Estado não pode se omitir de sua responsabilidade no planejamento setorial, ouvindo o mercado e a sociedade civil. De acordo com o governo, a partir do regime de autorizações, também previsto na medida provisória editada em agosto, já foram apresentados 14 pedidos privados de novas ferrovias, com a previsão de construção de cerca de 5,3 mil quilômetros de trilhos e de investimentos de mais de R$ 80 bilhões no setor. O que se pode dizer disso na prática? Acreditamos que estamos apenas começando a destravar o setor, e muitos investimentos vão se concretizar com o devido tempo. Deve-se ter cautela para tratar com responsabilidade o desenvolvimento de um setor estruturante, mas historicamente negligenciado, que precisa ser desconcentrado e distribuído de modo a fomentar desenvolvimento


econômico em todas as regiões do país. Por motivos eleitorais, o Governo tem pressa de apresentar resultados, mas é necessário lembrar que não se trata de um projeto de um único governo. Estamos trabalhando duro para construir uma ferramenta de Estado crucial para o desenvolvimento sustentável do país. Um terço da malha ferroviária hoje está ociosa, sem operação. O Marco Legal das Ferrovias devolverá à vida esses ramais ferroviários pelo Brasil? O Marco prevê a devolução de trechos ociosos, visando seu melhor aproveitamento por outros interessados. Nos parece uma das inovações mais importantes que entregamos ao setor: é essencial que aproveitemos a estrutura disponível, inclusive pela garantia de sua manutenção, de modo a assegurar o maior uso possível desse modal. Entendemos que a ferramenta do chamamento público pode se mostrar um divisor de águas, dando maior publicidade a empreendimentos e identificando demanda que poderia ser acolhida pelas ferrovias. Quem vai se beneficiar mais: o transporte de carga ou o de passageiros? Em um primeiro momento, entendo que seria o transporte de carga, com demanda reprimida. Mas o Marco foi redigido de modo a contemplar também o transporte de passageiros, e potencialmente deve arregimentar interessados também nessa exploração. Destaco um aspecto que já estava presente na proposta do senador Serra e que aprofundamos: o das operações urbanísticas, que vislumbra novas formas de integração das estruturas de trilhos ao planejamento urbano. Existe muito potencial para os chamados “pequenos trechos”, como um terminal que sai de uma grande fazenda de soja até um armazém central, ou entre uma cidade e um polo industrial, por exemplo? Sim, há casos no Brasil em que teremos ferrovias de um único usuário, dentro de uma única propriedade, apenas fa-

cilitando o deslocamento de produção local para um ponto de transbordo e escoamento. São esses inclusive os casos paradigmáticos para autorizações, em que a intervenção estatal deve ser mínima, recaindo os riscos todos sobre seus proponentes. Se esses novos trechos passarem por terras de vários proprietários, todos precisam concordar? Isso também não irá demandar regras claras para desapropriações? O Marco traz em si regras para desapropriação por autorizatários, que corre às expensas do proponente. Normalmente ele vai procurar acordos amigáveis de modo a facilitar todo o processo, mas pode chegar a ocorrer desapropriação judicial, nos termos da lei. Por falar em regras, está previsto no novo Marco que as empresas privadas se comprometam com uma programação de investimentos ao longo dos anos do contrato? Quem irá regular e fiscalizar esses novos trechos de outorga? O novo Marco inaugura várias formas de investimentos no setor. De partida, o contrato que formaliza a outorga deve conter um cronograma de implantação dos investimentos previstos, cuja violação pode ensejar multas ou mesmo sua rescisão. Mas, indo além, estamos criando as figuras do usuário investidor e do investidor associado, que injetarão recursos para ampliação ou aprimoramento da infraestrutura ferroviária e das atividades associadas, respectivamente. Esses investimentos também serão formalizados em contratos, e estarão no bojo da fiscalização da agência reguladora competente. A parte das disputas políticas, podemos contar com um Marco Regulatório para o setor ferroviário já em 2022? Dada a vigência limitada da MP 1065/2021, que se encerra em fevereiro próximo, e os investimentos já em curso pelo setor, entendemos que tudo

se encaminha para aprovação do PLS 261/2018 no final deste ano ou começo do próximo, sob pena de desestruturar os investimentos já arregimentados. Creio haver uma convergência no sentido de que o novo Marco Regulatório das Ferrovias é necessário e urgente. O ideal seria finalizar sua tramitação antes que comecem as discussões eleitorais. A partir da entrada em vigor do Marco, qual sua previsão de oportunidades de crescimento e de novos negócios para o setor num futuro próximo? Entendo que o modal ferroviário precisa ser fortalecido, apresentando novas opções de atuação pública e privada. Ganhamos mais com a diversidade logística, e por isso apoiamos discussões sérias e estruturantes sobre os modais rodoviários e cabotagem. Mas é preciso separar manobras espetaculosas das reformas sérias de que o Brasil realmente precisa, para trazer riqueza e crescimento não só a alguns ou a certas localidades, mas sim diminuir a pobreza e ampliar o desenvolvimento em todo o país. Como relator do projeto e brasileiro, qual é o seu sentimento em relação ao Novo Marco? Sinto-me bastante orgulhoso de ter contribuído, no debate sobre o Marco das Ferrovias, não só pela elaboração de uma norma moderna, apta a amparar investimentos sob um planejamento transparente do Estado, mas também por demonstrar que, mesmo líder da minoria no Senado Federal, e sabidamente opositor do atual governo federal, é possível estabelecer na Política um diálogo republicano e focado nas necessidades do país. A despeito das investidas do atual Presidente contra o equilíbrio dos Poderes é preciso manter o diálogo circunscrito às nossas competências e atribuições, preservadas nossas desavenças e divergências sem essa sanha de obliterar o outro. Gostaria de apresentar o Marco como um exemplo de como é possível fazer boa política, com serenidade e responsabilidade. | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 13


Auro Doyle Sampaio

ALÉM DOS TRILHOS

RETORNO DO INVESTIMENTO (PAYBACK)

Temos que nos preparar para um novo cenário da gestão corporativa e, principalmente, os profissionais, o mercado e a sociedade como um todo

Auro Doyle Sampaio Presidente Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas - São Paulo (ABEE-SP)

À primeira vista, parece que o tema que estamos abordando aqui refere-se unicamente ao questionamento monetário/financeiro relacionado a uma decisão corporativa, estratégica ou mesmo de opção futura. Mas veremos o quanto muda o rumo desta conversa se for adicionada apenas uma palavra ao título: profissional! Retorno do investimento profissional! Hoje, vivemos um cenário histórico-social bastante diferenciado, principalmente quando pegamos como referência a geração de meados da virada do século. Até então, considerando-se o binômio verdade-mentira, se entendia que o certo era certo e o errado era errado! Na era da modernidade e da internet, adotou-se até mesmo um termo para rotular a flexibilização do conceito de certo-errado e da ética que o cercava, da razão e do que é verdadeiro e correto: fake! Destaco que sou gestor de projetos com longa trajetória em infraestrutura. Todavia, reconheço que minha calvície e humildade de eterno aprendiz me impedem de esquecer o sol tomado durante anos no trecho e o valoroso ensinamento outrora servido pelos mestres que “batiam o martelo”, sem erro, em época tão escassa de mestres. Esses que, quando vinham para cá, eram pagos a peso de ouro, e nós largávamos nossas vidas para sorver cada minuto de seu saber. É o reconhecimento e a valorização da expertise de quem muito realizou e, principalmente, o respeito em sua preservação, com a transmissão desse “saber fazer” às novas gerações e seus infinitos recursos materiais.

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Constato um movimento disruptivo no “saber fazer”. Ele vem sendo alavancado e valorizado por ferramentas internacionais de software que promovem a precipitação na capacitação de recursos humanos. Mas, sem o preparo adequado, vem surgindo uma nova ordem de operadores digitais que, do alto de plataformas computacionais e softwares de toda sorte, arrogam-se inexorável formação curricular “diferenciada”, mesmo que alijada dos desafios da realidade do “saber fazer”. Conclusivamente, temos que nos preparar para um novo cenário da gestão corporativa e, principalmente, os profissionais, o mercado e a sociedade como um todo, pois se faz urgente a implementação, também aqui no Brasil, de instrumento já existente no primeiro mundo há muito tempo. É a creditação para instituições de ensino, institutos de perícias e formação profissional, centros de desenvolvimento de tecnologia e centros de qualificação profissional, bem como a certificação profissional e de empresas, para diferentes níveis de habilitados. Eles vão desde o setor de prestação de serviços até os registrados nos diversos conselhos profissionais, especialmente prestadores de serviços de infraestrutura em governos federais, estaduais, municipais, autarquias, paraestatais e concessionárias de serviços públicos. É impossível, senão inadmissível, seguir tentando esconder o eclipse da expertise profissional diante dos desastres próximos, se o caminho atual for mantido.


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Entre os dias 15 e 17 de março visite nosso stand na NT Expo 2022 Vibtech Industrial Ltda A Vibtech é especializada na fabricação de produtos em metal-borracha para aplicação ferroviária nos segmentos de transporte de carga, passageiro e via permanente. Trens de carga: Shear pads, coxins, buchas, batentes e componentes em metal-borracha.

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LUIZ CARLOS MANTOVANI NÉSPOLI

ALÉM DOS TRILHOS

DESAFIOS E TENDÊNCIAS DA INTEGRAÇÃO DOS TRANSPORTES PÚBLICOS

A facilidade de acesso ao transporte, um maior número de conexões na rede, tempos menores de viagem e tarifas módicas são fundamentais para a melhoria da mobilidade nas cidades

Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco) Superintendente Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP)

As cidades brasileiras seguiram um processo de desenvolvimento cujo resultado pode ser medido nas perdas de tempo nos congestionamentos, no grande consumo de energia, na poluição ambiental, nos acidentes e mortes no trânsito, na saúde dos seus habitantes e nos custos de viagem para os cidadãos. A facilidade de acesso ao transporte, o maior número de conexões na rede, tempos menores de trajeto e tarifas módicas são fundamentais para a melhoria da mobilidade urbana. Os instrumentos legais e técnicos para melhorar a qualidade de vida das cidades já existem e estão à altura do desafio. Eles orientam o planejamento e o plano de mobilidade urbanos, incentivando, dentre outras medidas, a ocupação e o adensamento nas margens dos eixos estruturadores da cidade, aproveitando a infraestrutura urbana já instalada (desenvolvimento orientado ao transporte - DOT). Os planos de mobilidade devem abarcar todos os tipos de transportes, além de seguir as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade, dando prioridade aos modos ativos (pedestres e bicicletas) em primeiro lugar, em seguida, ao transporte público coletivo e, finalmente, aos modos motorizados individuais. O resultado a ser obtido ao longo do tempo é uma rede abrangente de mobilidade integrada operacional, tarifária e institucionalmente. Ela deve considerar as características funcionais de cada sistema e tecnologia, sendo direcionada para eficiência, modicidade tarifária e melhor resultado de custo-benefício. Será constituída de sistemas estruturado-

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res: os veículos sobre trilhos, os BRTs e os ônibus de média capacidade em corredores. Também incluirá sistemas de menor capacidade, com a função de alimentação dos estruturadores, ou de prestação de serviços locais. Ao mesmo tempo, deve ser uma rede que absorva as mudanças tecnológicas e culturais sensivelmente mais rápidas nestes tempos, agregando modos complementares, como o transporte on demand, as bicicletas, os compartilhados, MaaS e outras inovações que ainda assistiremos neste século. Isso será positivo para a sociedade e economicamente sustentável para o sistema de transporte, desde que seja equacionado no âmbito de uma rede sustentável de mobilidade urbana. A integração tarifária é componente essencial, idealmente sem acréscimo de custo ao usuário, bilhetagem eletrônica e gestão eficiente de custos, arrecadação e divisão de receitas entre operadores para segurança jurídica dos contratos. Por fim, a rede deve ser submetida a uma governança institucional interfederativa, que trate o usuário de modo único, independente dos gestores ou de fronteiras territoriais, em especial nas regiões metropolitanas, que ainda prescindem de uma autoridade pública eficiente. Tudo isso tem custo, que precisa ser suportado também por recursos não tarifários, vindos da contribuição dos setores da sociedade também beneficiários de um transporte público de qualidade - e não apenas pelos passageiros.


ALÉM DOS TRILHOS

Roberta Marchesi

PERSPECTIVAS DE INVESTIMENTOS NO SETOR METROFERROVIÁRIO Há mais de 20 meses, o setor de transporte público vivencia sua pior crise. A queda abrupta da demanda de passageiros, imposta pela pandemia da Covid-19, e sua lenta retomada fizeram com que todas as vertentes de mobilidade urbana passassem por grande dificuldade. Por outro lado, o setor está otimista com o avanço de importantes projetos, principalmente aqueles que envolvem as Parcerias Público-Privadas (PPP). Em 2020, mesmo com o mercado fortemente impactado, o excelente resultado obtido com a concessão das Linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) comprova a grande atratividade do transporte metroferroviário de passageiros ao investimento privado. Em pouco mais de dez anos, a participação privada no setor aumentou mais de 300%. Atualmente, ela responde por 56% das operações no Brasil, e esse número poderá ser ainda maior. Com os estudos e projetos em andamento, a operação privada desses sistemas poderá atingir mais de 75% nos próximos cinco anos. São Paulo, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte são responsáveis pelas dez obras de expansão em andamento, abrangendo projetos de metrô, trem urbano, Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e monotrilho. Além da sua continuidade, para o próximo ano já estão anunciadas a modernização e a expansão do Metrô de Belo Horizonte e a construção do people mover do Aeroporto de Guarulhos, que conectará a Linha 13-Jade da CPTM aos terminais de passageiros. Com relação às concessões, há diversos projetos em andamento que deverão impulsionar os investi-

mentos para os próximos anos. Estão no radar: a concessão do Trem Intercidades de São Paulo, que conectará a capital à cidade de Campinas, no interior do Estado; a operação do Metrô do Distrito Federal e a construção do VLT de Brasília; e as desestatizações da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) e da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que já colocou em consulta pública a modelagem para a concessão do metrô de Belo Horizonte, o primeiro de seus cinco sistemas. Todos esses projetos mostram que o setor não parou durante a crise. Os investimentos estão avançando, não só para a expansão da rede de transporte sobre trilhos, mas especialmente para a qualificação da mobilidade urbana dos brasileiros. Para que essa rede se concretize, entretanto, é necessária a condução efetiva dos projetos, que devem ser geridos numa visão de Estado, com andamento independente de mandatos políticos. O momento é de otimismo, com a retomada da demanda de passageiros e a ampliação dos investimentos. Mas também de muita atenção, com o desenvolvimento de políticas públicas que garantam a segurança jurídica dos investimentos, um novo modelo de financiamento do transporte público e a eficiência da gestão metropolitana de mobilidade. O transporte público beneficia a todos, inclusive àqueles que não o utilizam. Investir no transporte público significa maior mobilidade, mais sustentabilidade para as cidades e maior qualidade de vida para os cidadãos.

Investir no transporte público significa maior mobilidade, mais sustentabilidade para as cidades e maior qualidade de vida para os cidadãos

Roberta Marchesi Diretora-Executiva Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos)

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SILVIA CRISTINA SILVA

ALÉM DOS TRILHOS

UMA HISTÓRIA DE FORTALECIMENTO DA ENGENHARIA E ARQUITETURA NACIONAIS A AEAMESP, que hoje congrega mais de 400 profissionais, também exerce um papel fundamental no âmbito da mobilidade urbana

Silvia Cristina Silva Presidente Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Metrô de São Paulo (AEAMESP)

Em 1968, foi fundada a Companhia do Metropolitano de São Paulo. Um dos desafios era constituir um corpo de engenharia que fosse capaz de construir, manter e operar a primeira linha (na ocasião denominada Norte–Sul), que viria a ser inaugurada em 1974. Foi nesse sentido que a empresa, sob comando de Plinio Assmann, saiu em busca de profissionais que pudessem adquirir no Brasil e no exterior o conhecimento para esse projeto grande e inovador, que hoje é parte integrante da vida dos paulistanos, sendo ano a ano avaliado como melhor serviço público e uma referência mundial do setor. Muitos aprendizados ocorreram desde os primórdios e, no ano de 1990, um grupo de engenheiros e arquitetos da Companhia decidiu que poderia ir mais além do que os limites do próprio Metrô e promover algo que pudesse atrair e compartilhar conhecimento e o fortalecimento dos profissionais de engenharia e arquitetura. Nesse momento, foi criada a Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Metrô de São Paulo – AEAMESP. Anos mais tarde, a AEAMESP se tornou uma organização aberta, ou seja, não restrita somente aos empregados do Metrô de São Paulo mas a todos os engenheiros e arquitetos filiados às suas entidades de classe, expandindo ainda mais suas fronteiras. Sem perder seus maiores objetivos - o fortalecimento da engenharia e arquitetura nacionais, a valorização e a capacitação dos profissionais, o estímulo à produção de conteúdos e trabalhos técnicos - a AEAMESP, que hoje con-

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grega mais de 400 profissionais, também exerce um papel fundamental no âmbito da mobilidade urbana. É uma das organizações mais proeminentes na interlocução com autoridades públicas, sempre valorizando os aspectos técnicos em defesa de uma mobilidade limpa, não poluente e sustentável. Uma das ações mais relevantes da AEAMESP é o congresso anual de tecnologia do setor, denominado Semana de Tecnologia Metroferroviária, que acontece no mês de setembro. Nesse evento, são debatidos temas relevantes para o setor, com diversas autoridades nacionais e internacionais. Também são apresentados trabalhos e produções técnicas dos associados e são realizados workshops de empresas patrocinadoras do evento interessadas em demonstrar inovações e benefícios que estejam trazendo para o setor. A AEAMESP é uma associação aberta e receptiva a todos os profissionais do setor - engenheiros, arquitetos e geólogos - vinculados às suas entidades de classe e a empresas que, como parceiras, queiram debater e cooperar com o enriquecimento do conhecimento no transporte metropolitano. Para um profissional se associar, basta visitar nosso site e entrar no link “associe-se”. Entidades que desejam conhecer o programa Empresa Parceira AEAMESP também podem entrar em contato conosco pelo site.



Vicente Abate

ALÉM DOS TRILHOS

COMMODITIES E CARGA GERAL POR NOSSAS FERROVIAS

A indústria ferroviária brasileira tem contribuído com o transporte ferroviário de excelência das concessionárias

Vicente Abate Presidente Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER)

O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores globais de commodities agrícolas e minerais. Possui uma produtividade invejável e trabalha com eficiência energética sustentável. Como resultado dessas características exemplares, o País tem conseguido expressivos saldos positivos em sua balança comercial, que caminha para um superávit recorde em 2021. O grande desafio para escoar a produção e extração crescentes destas commodities é prover o país de uma infraestrutura capaz. Destaca-se, nesse sentido, o transporte ferroviário de cargas, apoiado por ações do governo federal, que muito tem se empenhado em proporcionar um futuro promissor a esse setor num horizonte próximo. As commodities representam cerca de 90% do transporte ferroviário nacional, ficando a carga geral com os 10% restantes, sendo apenas 3% correspondentes a contêineres por ferrovia. As concessionárias ferroviárias de carga têm trabalhado incessantemente na expansão de suas malhas, para garantir um transporte eficiente, seguro e econômico. A Estrada de Ferro Carajás, da Vale, foi duplicada recentemente para aumentar o escoamento de minério de ferro proveniente da nova província mineral S11D. A Rumo Malha Paulista encontra-se em processo de revitalização das vias existentes e aumento de sua capacidade, de 30 para 75 milhões de toneladas por ano. A Rumo Malha Norte acaba de receber a autorização do Estado do Mato Grosso para expandir sua atuação de Rondonópolis à região de Lucas do Rio

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Verde. Contêineres empilhados, transportados por modernos vagões double stack, já sobem de Sumaré (SP) a Rondonópolis (MT) com alimentos e produtos de higiene e limpeza. Em breve, serão levados também à cidade de Imperatriz (MA). Todos esses contêineres retornam ao Porto de Santos carregados com grãos e madeira. A VLI aumentará sua produção ferroviária em direção ao TIPLAM (Cubatão - SP), Porto de Tubarão (ES) e Porto de Itaqui (MA). A MRS prevê aumentar sua participação na carga geral em relação ao seu tradicional transporte de minérios. Há ainda outros projetos, em execução ou em fase de estudos de viabilidade, para a expansão da malha ferroviária brasileira, seja em direção a outros portos ou mesmo intramodal, para alcançar 40% de participação na matriz de transporte de carga brasileira. A indústria ferroviária nacional, por seu lado, tem contribuído com o transporte ferroviário de excelência das concessionárias. Usando a engenharia de ponta do país, vem-se desenvolvendo locomotivas 100% elétricas (a bateria), cujos vagões possuem maior capacidade e rapidez na carga e descarga. O uso de materiais inovadores para a via permanente proporciona maior produtividade e competitividade às concessionárias. Ao final, todos esses projetos, elaborados pelo Governo Federal em consonância com o Congresso, pelas concessionárias e pela indústria, são fortes pilares para um futuro altamente promissor do setor ferroviário brasileiro.


ALÉM DOS TRILHOS

Sérgio Inácio Ferreira

TRENS INTERCIDADES SÃO PLENAMENTE VIÁVEIS Com o advento da implantação das principais rodovias no Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, houve um desinvestimento das ferrovias para transporte de passageiros, que, em São Paulo, compreendiam também trens de longo percurso. A ferrovia teve grande impulso em São Paulo, principalmente no Ciclo do Café, findado em 1930. Nosso modal ferroviário foi construído com um perfil de deslocamento saído do interior para o litoral. Podemos citar três eixos: do interior de São Paulo ou Centro-Oeste em direção ao porto de Santos (SP), passando pela capital paulista, voltado principalmente para grãos; partindo das Minas Gerais aos portos do Rio de Janeiro ou Vitória (ES); e a Ferrovia de Carajás (PA) a São Luiz (MA), voltada para o transporte de minérios. Hoje, existem somente trens de passageiros nos trechos de Belo Horizonte a Vitória e de Carajás a São Luiz, operados pela Vale S.A. Os trens de passageiros sempre tiveram que disputar espaço na via férrea com os de carga, considerando-se que as ferrovias no Brasil nunca tiveram como foco principal o transporte de passageiros. Com o tempo, os trechos estabelecidos não atendiam à demanda de passageiros ou eram inviáveis economicamente. O que é pior, acabavam prejudicando a eficiência no transporte de carga. Isso era agravado pelo investimento em rodovias, que cruzavam o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste, viabilizando o deslocamento das populações de forma mais rápida e efetiva. Nossa indústria automobilística nasceu e se desenvolveu com a construção das grandes rodovias.

Com o pouco investimento e a falta de interesse, o transporte de passageiros por trem primeiro foi transferido para os governos Federal (Rede Ferroviária Federal – RFFSA) e Estadual (Ferrovia Paulista - FEPASA). Aos poucos, em razão do seu custo e da prioridade do transporte de carga, foi sendo desativado, só restando as duas linhas já citadas. Após a privatização desse modal, o foco foi totalmente direcionado aos trens de carga, principalmente das empresas de produção e transporte de minério e grãos, o que é totalmente compreensível. O transporte ferroviário intercidades, como está sendo pensado hoje no Estado de São Paulo, é plenamente viável, pois foca regiões com alta densidade populacional e com linhas já consolidadas, compreendendo os trechos São Paulo/Campinas, São Paulo/São José dos Campos, São Paulo/Sorocaba e São Paulo/Santos. Com os sistemas de controle de tráfego existentes atualmente, sua convivência harmônica com o trem de carga é possível. O projeto inicial, com trechos curtos e possibilidade de ocupação plena, pode ser um embrião para o investimento em trens de passageiros de longo percurso. Em todos os países desenvolvidos, temos transportes de passageiros que se completam. Há espaço para o rodoviário, aeroviário e ferroviário, ainda mais em um país continental como o nosso. Precisamos é de um planejamento de longo prazo e perene, independente dos governos que passam.

O transporte ferroviário intercidades, como está sendo pensado hoje no Estado de São Paulo, é plenamente viável

Sérgio Inácio Ferreira Pesquisador Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT

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FRANCISCO PETRINI

ALÉM DOS TRILHOS

O BRASIL “TREM” JEITO

O SIMEFRE decidiu voltar a protagonizar e retomar o seu projeto de ação denominado ‘O BRASIL TREM JEITO’

Francisco Petrini Diretor-executivo Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários (SIMEFRE)

A pandemia que assola o mundo obrigou a maioria dos países desenvolvidos a tomar providências para a geração de empregos, lançando mão de medidas de salvaguarda da produção e do fornecimento para suas indústrias nacionais locais, gerando uma política que terá desdobramentos importantes no incremento da atividade econômica e empregatícia. O SIMEFRE, sempre presente em todos os momentos adversos vividos pelo País e por sua indústria, após discutir com outras entidades parceiras e coirmãs (notadamente a ABIFER), decidiu voltar a protagonizar e retomar seu projeto de ação denominado “O BRASIL TREM JEITO”, plataforma para discutir uma nova política para o setor metroferroviário brasileiro. O BRASIL TREM JEITO repete, como fez na década de 1980, a mobilização dos atores da indústria, de operadoras, de sindicatos, de associações gerais e de bairros, e usuários, com propostas e ações no Governo para ampliação da rede de transporte metroferroviário, que resultaram exitosas e produtivas para o transporte da população. Essa plataforma está focada em cinco pontos: 1) Isonomia Tributária - Estabelecimento de mecanismos e critérios editalícios que tornem a comparação de ofertas de material rodante completo (nacional e estrangeiro) no mínimo isonômicas; 2) Margem de Preferência – Implantação de uma política potencializadora da atividade econômica nacional, com consequente geração de emprego e renda no País, regulamentada em 20% para empresas brasi-

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leiras em toda a cadeia de produtos acabados (trens) e serviços completos do setor metroferroviário. 3) Conteúdo Local – Edição de lei ou decreto que determine o respeito de conteúdo nacional mínimo de 40% em todos os projetos futuros de iniciativa das várias esferas de Governo, e que contem com financiamento público; 4) Investimento Cruzado – Proposição de que nas próximas licitações os setores de cargas ferroviário e rodoviário permitam ou mesmo obriguem a inclusão de investimentos cruzados no setor ferroviário de passageiros mediante concessões ou renovações, colaborando com sua viabilização; 5) Imposto de Importação – Elevação do Imposto de Importação de produtos acabados para 35%, em equiparação com os modais rodoviários. Mesmo enfrentando longo período de dificuldade pela drástica redução da demanda, nossa indústria continua viva e de pé, fabricando trens de passageiros, vagões de carga e locomotivas. É amparada por ampla cadeia produtiva: de partes e peças; de serviços de engenharia, de manutenção e de modernização de frotas; de sistemas de eletrificação, sinalização e via permanente. Sem ferrovias de cargas e passageiros, não teremos um País economicamente desenvolvido e sustentável. Finalizamos com um termo cunhado e repetido pelo presidente do SIMEFRE, José Antonio Fernandes Martins: “A ferroviarização do Brasil é de vital importância!”



MERCADO

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O DESAFIO DAS

commodities

sobre trilhos A

Dois dos maiores players do setor ferroviário, a VLI e a RUMO, traçam um panorama do momento atual, do escoamento da safra 2021/22 do Brasil por suas ferrovias e projetam um futuro promissor

logística nacional vive um momento ímpar com a introdução de um Marco Regulatório das Ferrovias e com a apresentação de novos projetos que visam expandir a malha atual e oferecer ganhos em competitividade para o escoamento de cargas no Brasil. É importante destacar ainda que temos pela frente um cenário otimista do agronegócio. A produção brasileira de grãos na safra 2021/22 deve alcançar o recorde de 288,61 milhões de toneladas, um aumento de 14,2% em comparação com a safra anterior, segundo o levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Diante dessa perspectiva, a integração entre os modais mais do que nunca é fundamental e a ferrovia passa a ter um papel ainda mais determinante para contribuir no escoamento da produção das commodities agrícolas para os principais portos do Brasil. Do ponto de vista logístico, transportar cargas por ferrovia é – e continuará sendo – mais competitivo para movimentar grandes volumes, como ocorre com os produtos agrícolas. Um vagão graneleiro, por exemplo, comporta em média mais de 70 toneladas, enquanto um caminhão bitrem carrega somente 36 toneladas. Se considerarmos o poder de mobilidade, o modal rodoviário sobressai. Porém, interligar modais (rodovia e ferrovia) representa mais velocidade no escoamento das cargas. O mercado e o governo estão enxergando mais valor nos trilhos, pois eles são sustentáveis e muito competitivos nas longas distâncias, e se integram perfeitamente a outros modais para dinamizar a movimentação de cargas. Dentro desse contexto, dois dos principais players do setor, a VLI e a RUMO, estão otimistas. “A VLI vê o momento atual da logística brasileira como muito positivo, com o destravamento de uma agenda de mais investimentos. A companhia está presente em todo o país: operando em cinco | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 25


A VLI vê o momento atual da logística brasileira como muito positivo, com o destravamento de uma agenda de mais investimentos.

corredores logísticos com uma frota de cerca de 800 locomotivas e 24 mil vagões. A empresa transporta as riquezas do Brasil por rotas que passam pelas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste”, explica Gabriel Araújo Fonseca, Gerente-geral Comercial da VLI. A RUMO, responsável pelo transporte de 26% do volume de grãos exportados pelo Brasil, também reafirma seus esforços como um importante operador logístico para integrar todas as regiões do país. “Somos uma das empresas que mais investem em infraestrutura no Brasil. Desde 2015, ano em que assumimos a concessão, foram mais de R$ 18 bilhões investidos em trilhos, dormentes, vagões, locomotivas, tecnologia e terminais, entre outros fatores”, afirma Pedro Palma, VP Comercial da RUMO. Para ele, as iniciativas de maior destaque foram a ampliação da capacidade do Terminal de Rondonópolis e a nova operação com trens de 120 vagões, iniciada em fevereiro de 2021. Palma ilustra seu argumento enumerando os resultados: • Melhora de 30% na eficiência energética: um trem que consumia 5 litros de diesel para levar mil toneladas por quilômetro agora consome 3,5 litros; • Redução grande no tempo de viagem: a ida e volta entre Rondonópolis e Santos, que levava em média 92 horas (incluindo carga e descarga), hoje é feita em 84 horas; • Redução de tarifa de 26% em valores nominais e de praticamente 50% em termos reais. Para se ter uma ideia, uma tonelada de soja que sai de Sorriso (MT) e é movimentada de trem

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de Rondonópolis a Santos custava R$ 175 ao produtor em 2016. Atualmente, o valor é de R$ 130 por tonelada. É uma redução de 26% em cinco anos, em valores nominais. Além disso, a RUMO iniciou neste ano as operações da Malha Central, com a inauguração dos primeiros terminais em Rio Verde (GO) e São Simão (GO), que já melhoraram de forma expressiva a competitividade da exportação local de grãos e farelo. Já o volume de produtos do agronegócio transportado pela VLI na Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) em 2020 cresceu 27% em comparação com o ano anterior. O acréscimo segue a tendência dos últimos cinco anos, período no qual esse tipo de carga teve alta de 189%. De 2016 a 2020, a VLI movimentou um volume superior a 119 milhões de toneladas de soja, milho, açúcar, farelo e fertilizantes na ferrovia. DESAFIOS IMEDIATOS Em comparação aos países mais desenvolvidos, a malha ferroviária nacional ainda é enxuta, especialmente considerando que o transporte ferroviário é o mais indicado para longas distâncias. “Isso significa que há muito potencial a ser desenvolvido em um país com as dimensões do Brasil. Essa transformação pode ocorrer com os novos projetos apresentados por diversos players”, acredita Fonseca, da VLI. O aumento do número de players está diretamente ligado ao regime de autorizações, que legislações estaduais e o Novo Marco Regulatório introduziram no mercado, propiciando o surgimento de novos projetos de linhas a serem operadas pela iniciativa priva-


da. Apesar de ser uma concessionária, a VLI já entregou ao Governo Federal requerimentos com base no regime de autorização para novos projetos. Segundo Fonseca, eles se conectam à malha da companhia, controladora da Ferrovia Centro-Atlântica e do ramo Norte da Ferrovia Norte-Sul. “A partir de agora, a equipe técnica da VLI aprofundará os estudos econômicos e de engenharia sobre cada um dos projetos, avaliando sua viabilidade econômico-financeira, benefícios aos clientes e geração de novas oportunidades de negócios para expansão de seu crescimento”, adianta Fonseca. A RUMO segue pelo mesmo caminho e também aposta no regime de autorizações. Os investimentos dessas duas gigantes do mercado podem concretizar a meta do governo, que espera que a participação do modal ferroviário no transporte de cargas, hoje em torno de 15%, chegue a 30% até 2025. “O caminho é deixar esses investimentos a cargo da iniciativa privada, pela renovação antecipada das concessões ferroviárias. A Malha Paulista foi apenas a primeira de uma série de renovações - que já aconteceram e que ainda virão. Dessa forma, o Estado é desonerado, com os grandes investimentos correndo por conta do capital privado. Assim, as empresas conseguem viabilizar projetos em que convergem os interesses do País, da companhia, dos acionistas e da sociedade” afirma Palma. O vice-presidente da RUMO enfatiza que a companhia é uma das que mais investem em ferrovias no Brasil. “Em setembro deste ano, assinamos com o governo de Mato Grosso o contrato para a construção da primeira ferrovia privada viabilizada por meio de autorização de um Estado brasileiro. Dentro dos limites do Mato Grosso, 730 quilô-

metros de trilhos vão conectar Cuiabá e os municípios de Nova Mutum e Lucas do Rio Verde (ambos ao norte, no coração do agronegócio mato-grossense) a Rondonópolis, no sul do Estado”, conta Palma. Há alguns anos, a RUMO já havia manifestado publicamente interesse nesse trecho, principalmente por considerá-lo estratégico para o país, com enorme potencial para reduzir ainda mais o frete ferroviário. “Além de atender ao agronegócio mato-grossense, a nova ferrovia permitirá a circulação de produtos industriais e bens de consumo para todo o Estado, em especial para a capital, Cuiabá. Nossa expectativa para os próximos meses é contribuir para viabilizar esse projeto o quanto antes” reafirma Palma. Segundo o vice-presidente, a nova ferrovia deve proporcionar um avanço em eficiência e produtividade. São mais de 700 km de distância rodoviária substituídos por uma ferrovia de alta capacidade, atrelada ao uso de trens de 120 vagões, com capacidade para transportar 50% mais carga em relação às composições de 80 vagões e com capacidade equivalente a 261 caminhões. “Há ainda o benefício de uma operação capaz de poluir menos do que caminhões, carregando a mesma quantidade de produtos. Para se ter uma ideia, enquanto um trem emite 15 g de CO2 por TKU, cinco caminhões emitem 100 g”, destaca. Além disso, à medida que as obras avançarem, a implantação de novos terminais permitirá que mais regiões tenham sua cadeia logística beneficiada. “Esse modelo concilia a importância do curto prazo com um projeto robusto no longo prazo. Estamos falando aqui de um transporte diversificado de cargas, passando pelo grão e indo até o varejo por meio

As ferrovias são vitais para escoar a safra de commodities até os portos

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Legenda leg legenda leg leg legenda leg legenda leg egenda leg

A RUMO utiliza trens de 120 vagões, com capacidade para transportar 50% a mais de carga e com capacidade equivalente a 261 caminhões.

dos contêineres. Temos a crença de que só a diversidade de cargas pode sustentar a ferrovia no longo prazo, afinal, ela é uma infraestrutura que fica para sempre e precisamos torná-la o mais eficiente possível, tanto para as grandes empresas quanto para os produtores pequenos e locais”, afirma Palma.

Entrevista com Vicente Abate

FUTURO PRÓXIMO A VLI está extremamente otimista quanto ao futuro. Segundo Fonseca, a empresa segue focada em oferecer novas e ainda mais eficientes rotas logísticas para atender aos setores produtivos nacionais com fluxos porta a porta desde a origem da carga até os portos.

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“Com relação ao agronegócio, enxergamos o Arco Norte como a nova fronteira agrícola brasileira, e a infraestrutura que está em desenvolvimento vai trazer benefícios para o custo logístico total e agregar valor aos usuários. O Arco Norte é onde existe espaço para o Brasil crescer de forma planejada, correta e eficiente. A região está mais próxima do destino da carga do agro exportada pelo Brasil, o que contribui com um menor custo logístico total para o cliente, além de menor consumo de combustível e emissão de poluentes, seja no transporte doméstico ou marítimo”, garante. A RUMO segue nos mesmos trilhos. Através das Malhas Paulista, Norte e Cen-


tral, a empresa opera o principal corredor de exportação do agronegócio brasileiro. Esses três itinerários conectam a cadeia produtiva do Centro-Oeste do país ao Porto de Santos (SP). “Com as obras previstas na prorrogação do contrato da Malha Paulista, até 2025 teremos uma expansão de capacidade de 35 milhões para 75 milhões de toneladas por ano. Ou seja, estamos falando aqui em mais que dobrar a capacidade atual. Hoje, em termos de produtos, podemos dizer que a Malha Paulista já é a ferrovia mais diversificada do País. Além de soja, farelo de soja, milho e açúcar, circulam pela Paulista combustíveis, fertilizantes, celulose e contêineres”, explica Palma. O vice-presidente da RUMO cita como exemplo o atendimento da empresa ao mercado interno por meio de contêineres, uma operação que envolve mais de cem tipos de produtos industriais e bens de consumo transportados diariamente entre Sumaré (SP) e Rondonópolis (MT), onde a RUMO opera hoje o maior terminal de cargas da América Latina. “Essa movimentação é feita pela BRADO, controladora que responde por nossa operação de contêineres. Com o aumento da capacidade da Malha Paulista, fortalecendo a conexão com o Mato Grosso via Malha Norte, e o início da operação da Malha Central, aumentaremos tanto a quantidade quanto a diversidade de produtos em circulação”, afirma Palma. Nesse sentido, o primeiro semestre da RUMO foi marcado por uma importante conquista: o início do comissionamento do trecho São Simão (GO)-Estrela D’Oeste (SP), contemplando o uso dos trens de 120 vagões que foram anunciados neste ano e que representam um dos principais investimentos em inovação, eficiência e sustentabilidade da operação da companhia. “O primeiro terminal da RUMO na Malha Central (Ferrovia Norte-Sul) é o de São Simão, para movimentação de soja, milho e farelo de soja, tendo capacidade para aproximadamente 5,5 milhões de toneladas por ano. Além dele, inauguramos recentemente um segundo terminal em Rio Verde (GO), e temos em vista o início da operação de um terceiro em Iturama (MG), junto com um parceiro”, conta Palma.

Para o vice-presidente da RUMO, a Malha Central tem um papel estratégico no modal ferroviário nacional, pois permite o acesso a novos mercados e aumenta a eficiência do atendimento prestado pela concessionária aos seus clientes, agregando terminais de transbordo em novas geografias. “Além disso, contribui com a sustentabilidade na matriz de transporte de carga. A partir da previsão de volume a ser transportado em seu primeiro ano de operação, a Norte-Sul será capaz de evitar a emissão de 370 mil toneladas de CO2, na comparação com a movimentação das mesmas cargas pelo modal rodoviário”, garante Palma. Já em relação à região Sul, a prioridade da RUMO está no projeto de renovação antecipada da Malha Sul. “Internamente, estamos discutindo e avaliando as melhores alternativas para estruturar um plano de negócios que contemple não só o aumento de capacidade da ferrovia mas também questões sociais e projetos alternativos (parques lineares, parceria com operadores de trens turísticos) que tragam novas perspectivas e solucionem conflitos urbanos de décadas”, prevê Palma. Na visão tanto da RUMO quanto da VLI, a ferrovia está entrando em um momento muito positivo e o escoamento da produção do agronegócio brasileiro será o grande beneficiado desse desenvolvimento. E isso não significa a substituição do modal rodoviário pelo ferroviário. Para ambos, os caminhoneiros são parceiros de vital importância da ferrovia. “É importante desconstruir aquele discurso falso que cai no senso comum de que a ferrovia pode acabar com a rodovia e vice-versa. Estamos estruturando cada vez mais uma operação robusta e pronta para atender o agronegócio e a indústria com uma logística integrada e planejada para o futuro – com trens percorrendo grandes distâncias e caminhões fazendo trajetos curtos com mais segurança”, defende Palma. Para as duas empresas, não há dúvidas de que o aumento da malha ferroviária e a sua integração ao modal rodoviário representam maior eficiência e competitividade para a logística no Brasil, e consequentemente para o agronegócio e para o produto brasileiro aqui e no exterior, gerando renda, empregos e uma cadeia positiva de muitos negócios.

Pedro Palma, VP Comercial da RUMO

Até 2025, a Malha Paulista vai expandir de 35 milhões para 75 milhões de toneladas por ano. Hoje, ela é a ferrovia mais diversificada do País

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Logística

EM BONS

TRILHOS

A Rangel e a Tora apostam na integração de modais e em tecnologia com o objetivo de alavancar a logística no país

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A

Rangel é uma empresa de logística fundada por Eduardo Rangel em Portugal há 40 anos. A empresa começou atuando como despachante aduaneiro, porém, quando a União Europeia se formou, em 1992, acabaram-se as fronteiras e a empresa precisou se reinventar. A decisão foi constituir uma empresa de transporte rodoviário para fazer conexões com as principais capitais do país. O empreendimento prosperou, atingindo atualmente uma frota de mais de 350 veículos. Inclusive, a Rangel foi responsável pelo transporte das vacinas da Pfizer e AstraZeneca durante a pandemia naquele país. A empresa evoluiu e começou também a operar transportes aéreos e marítimos, trabalhando com exportação e importação, principalmente de obras de arte. Para isso, a Rangel construiu mais de 400 mil metros quadrados de armazéns próprios. Por uma demanda de clientes, entrou também no segmento de feiras e eventos nacionais e internacionais. Outra atuação interessante da empresa é a representação da FedEx em alguns países, entregando pequenos volumes. Com toda essa infraestrutura e diversidade de atuação, a Rangel passou a oferecer serviços de logística integrada, chegando ao ponto de se envolver na cadeia produtiva do

cliente. Hoje, a empresa participa da logística de multinacionais como Volkswagen e Philip Morris, por exemplo. Para coordenar tudo isso, a empresa investiu fortemente em tecnologia. Sua equipe de TI se tornou parte fundamental do negócio, pois as operações estão cada vez mais inseridas no ambiente digital. Atualmente, o grupo Rangel tem mais de três mil funcionários, com faturamento anual de 450 milhões de dólares. Está presente em nove países, com sede em Portugal (um hub para a Europa) e forte atuação na África, por conta da ligação lusa histórica com algumas regiões do continente, como Cabo Verde, Angola e Moçambique, mas também na África do Sul, Zimbábue e Namíbia. Nas Américas, a empresa atua no México e no Brasil, onde está desde 2010. Criada em 1972, a Tora iniciou suas atividades no transporte rodoviário de cargas e atualmente é um dos maiores operadores logísticos do país. A empresa oferece qualidade, segurança e agilidade em suas operações, aliando tecnologia e processos inovadores ao poder da multimodalidade como um diferencial competitivo. Por meio da operação de seis terminais rodoferroviários espalhados pelo sudeste brasileiro, ela se conecta às principais concessionárias ferroviárias, integrando o transporte

A Tora e a Rangel são empresas de logística com foco na modernidade

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Asley Ribeiro, da Tora, acredita na modernização dos ativos e na tecnologia para reduzir custos e aumentar a produtividade

rodoviário ao ferroviário e acessando os principais portos do país. Além dos terminais rodoferroviários, a Tora possui 61 filiais espalhadas pelo território nacional, além de quatro internacionais (na Argentina, Uruguai e Chile), com uma frota de cerca de 650 cavalos mecânicos e 2.500 carretas. A Tora estabeleceu parcerias com as principais concessionárias ferroviárias do país. Atualmente, ela está apta a operar em quatro corredores multimodais: Rio/São Paulo, BH/Rio, BH/Vitória e BH/Salvador, interligando as principais indústrias brasileiras aos portos do país. LOGÍSTICA MODERNA A Tora acredita em inovações tecnológicas que aceleram e potencializam seus resultados. A empresa investe anualmente centenas de milhares de reais em renovação e modernização dos ativos, buscando no mercado o que há de mais tecnológico e possibilitando reduções de custo com aumento de produtividade. “Acreditamos que a inovação está relacionada com a criação de soluções criativas ou quebra de padrões estabelecidos, portanto estimulamos em nossas equipes um pensamento disruptivo. Implementamos espaços de trabalho em grupo, que incentivam a inventividade e o contato com outros profissionais, colocando nossos clientes no centro das nossas decisões”, explica Asley Fonseca Ribeiro, Diretor Comercial da Tora. Outra estratégia da empresa foi expandir sua participação no mercado por meio de fusões e aquisições. “No último ano, concluímos a aquisição de três novas empresas estratégicas, que passaram a integrar o grupo Tora. Com elas, buscamos diversificar nossa área de atuação e criar sinergias operacionais”, afirma Ribeiro. Já a Rangel opera em outro modelo de logística moderna. Ela transcendeu seu papel de

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levar um produto do ponto A ao ponto B, tornando-se uma empresa que desenvolve soluções customizadas para os seus clientes. Com o apoio de alta tecnologia, ela se compromete a suprir as necessidades de todos os elos da cadeia produtiva, inclusive com softwares voltados ao perfil de cada cliente. E, diferentemente da Tora, a Rangel prefere mesclar a sua infraestrutura com a de parceiros, em vez de investir em ativos próprios. “Sem dúvida, esse é o futuro da logística. Acreditamos na especialização e na intermediação com valor agregado. Não vemos muito futuro na aquisição de patrimônio para operação própria e sim em entender melhor o que o cliente precisa, para dispor das ferramentas necessárias e de parceiros estratégicos na criação de uma solução que atenda suas necessidades. As empresas estão cada vez mais abertas ao diálogo, porque não há mais como ser conservador nesse mercado”, afirma Enrique Garcia, Diretor de Desenvolvimento de Negócios para América Latina da Rangel. O executivo garante que o mercado de logística vem aceitando parcerias cada vez mais. Segundo ele, isso foi muito facilitado pela pandemia. Antes, as empresas tinham um patrimônio e uma carteira de clientes que não compartilhavam com ninguém, com medo de perder clientes. “Hoje isso acabou. São negócios. Deixamos de ser um operador logístico para nos tornarmos um solucionador logístico. Achamos mais inteligente compartilhar e sermos uma empresa integradora, que oferece as melhores soluções para nossos clientes chegarem mais longe”, defende Garcia. Ele reforça seu ponto de vista afirmando que o mundo da armazenagem e da distribuição evoluiu muito. E, por exigência da pandemia, que demandou bastante do comércio eletrônico, essa evolução deu um salto forçado. Entretanto, ele lamenta que a cadeia de empresas e fornecedores logísticos ainda seja muito analógica, o que dificulta a integração e a maior eficiência dos processos operacionais. “Acreditamos que o futuro está na digitalização dos processos. A informação pertence ao mercado e está aberta para todos. Os softwares permitem integrações e atualizações para oferecer soluções integrando terceiros. De um celular, você pode ter acesso a tudo, rastrear e mandar comandos e mensagens para tornar o fluxo mais eficiente”, ressalta Garcia.


A MALHA FERROVIÁRIA A despeito da pandemia e de todo o desarranjo na logística global, o setor ferroviário brasileiro dá sinais de forte retomada da demanda. Puxado principalmente pelas commodities agrícolas e minerais, a previsão é de que o transporte ferroviário cresça aproximadamente 7% em 2021, ultrapassando 390 bilhões de TKU (tonelada por quilômetro útil), ante 365 bilhões de TKU em 2020, conforme estimativa divulgada pela ANTF. Os números demonstram que o setor de logística não só está crescendo mas também está passando por uma verdadeira transformação. Segundo o diretor da Tora, as perspectivas são muito otimistas para o setor ferroviário, principalmente em virtude do processo de renovação antecipada das concessões com a contrapartida de investimentos estruturantes na malha do país, construção de novos trechos e adequação de trechos atuais. “Como exemplo, cito duas concessionárias ferroviárias cujas concessões já foram renovadas e já divulgaram vultosos investimentos, que somados ultrapassam R$ 20 bilhões. Parte desse recurso será destinada para a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO), entre as cidades de Mara Rosa (GO) e Água Boa (MT). Esse novo percurso será de suma importância para potencializar o escoamento de grãos do Vale do Araguaia até a Ferrovia Norte-Sul. Outras concessionárias estão com o processo de renovação antecipado, bem avançado, e também preveem investimentos bilionários. Também está previsto para 2026 o início das operações do trecho 1 da FIOL, pela Bamin, viabilizando o transporte de minério de ferro da mina em Caetité (BA) até o porto de Ilhéus. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Infraestrutura, a FIOL receberá investimentos da ordem de R$ 3,3 bilhões, sendo R$ 1,6 bilhão utilizados para finalizar os 535 quilômetros iniciais, hoje com 75% das obras concluídas”, detalha Ribeiro. A iminência da entrada em vigor do novo marco legal deu um novo ânimo aos usuários do transporte ferroviário e às empresas que operam esse sistema. O governo se antecipou e editou a Medida Provisória 1.065/21, que permite a implantação de novas ferrovias por meio de autorização, sem necessidade de licitação, e institui a figura do operador ferroviário independente para a prestação dos serviços. “A Tora foi a primeira empresa a obter a autorização de OFI (Operador Ferroviário In-

dependente). Vemos essa mudança com uma boa oportunidade de expandir a atuação na cadeia logística dos clientes e incrementar ainda mais a participação no transporte multimodal, com a utilização de novos trechos ferroviários”, destaca Ribeiro. Garcia, da Rangel, compartilha da mesma visão. Para ele, a malha ferroviária realmente tem muito a crescer com a entrada do setor privado. Há também importantes licitações de aeroportos em curso. Esses dois modais têm um enorme potencial que pode alavancar os transportes num país com as dimensões do Brasil. Ele acrescenta ainda que há bastante a evoluir nos transportes marítimos e fluviais. “O Brasil caminha para uma evolução individual e de integração dos modais. O país já sabe que precisa melhorar os modais que atendem ao agronegócio, porque é o mais urgente. Se quiser crescer economicamente em nível mundial, ele precisa evoluir na área logística”, afirma Garcia. No caso específico das ferrovias, o executivo afirma que o transporte rodoviário se mostrou insuficiente para atender a demanda do agronegócio. As filas enormes de caminhões esperando para descarregar nos portos são uma evidência disso. E as ferrovias são alternativas mais do que comprovadas para suprir essa demanda. Para ele, investir em novas linhas e modernizar as que já existem são caminhos óbvios, mas necessários. “Os modais não podem depender de safras, situações e temporadas específicas. Eles precisam funcionar continuamente para atender todo tipo de cliente. A Rangel tem expertise em atuar como player nos transportes ferroviários e rodoviários e temos interesse em aumentar nossos serviços no Brasil. Acreditamos que as soluções de integração vão gerar negócios para que possamos atender cada vez mais as necessidades dos nossos clientes”, assegura Garcia. A Rangel está atenta aos próximos passos do setor ferroviário, como a entrada do marco regulatório e as oportunidades de novos negócios, principalmente no transporte de contêineres. “Hoje o transporte ferroviário de cargas está muito focado na área graneleira. Um segundo passo será oferecer alternativas para outros tipos de carga. Aí a integração dos diferentes modais ficará cada vez mais interessante. Esse será o futuro para o Brasil. E a Rangel está disposta a apostar nessas integrações”, afirma o diretor.

O Brasil caminha para uma evolução individual e de integração dos modais... Se quiser crescer economicamente em nível mundial, ele precisa evoluir na área logística”

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Enrique Garcia, da Rangel, acredita que o futuro da logística está na tecnologia, na especialização e em estabelecer parcerias

As perspectivas são positivas e a tendência é que a Tora cresça mais de 20% em 2021, mesmo com um cenário econômico tão adverso

Outro nicho de oportunidades para o setor, segundo Garcia, está no interior brasileiro. A pandemia provocou um retorno das pessoas para o interior e esse movimento levou a progressos, como o aumento da capilaridade da internet de alta velocidade. Essa nova geração de consumidores revitalizou as economias de cidades mais distantes dos grandes centros. E as ferrovias podem ser uma excelente alternativa para integrar novos polos populacionais em regiões mais afastadas. “O consumo das pessoas que estão no interior mudará muito a logística para atendê-las. Ou seja, será preciso oferecer novos hubs de distribuição e consequentemente gerar novas linhas e negócios. Isso também mudará a percepção de que morar no interior é viver isolado. A pessoa pode encomendar um produto que chegará na mesma semana na porta da sua casa. O impacto alcança também o comércio e a pequena indústria, que vão pedir mercadorias e insumos esperando o curto prazo de entrega. Isso vai ocorrer inevitavelmente”, garante Garcia. EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES Na visão da Rangel, o aumento das linhas e das operações logísticas no Brasil também deve contribuir muito para o comércio exterior. Produtos importados virão mais rápido e a custos menores, e os produtos brasileiros chegarão com mais facilidade aos mercados mundiais. “O Brasil tem um grande mercado consumidor e as companhias estrangeiras sabem disso. Por outro lado, as empresas brasileiras já estão sentindo mais facilidade em exportar seus produtos. A Rangel cuida, por exemplo, de toda a logística de exportação do Grupo Boticário para a Europa”, conta Garcia. Mas não só as grandes empresas têm se beneficiado dessa facilidade. A Rangel montou um projeto de ajuda no desenvolvimento

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de negócios para pequenos e médios importadores e exportadores. “Aí está nosso valor como solucionadores de logística. São empresas que não têm um departamento de comércio exterior. Nós temos e entendemos as dificuldades, porque já fomos pequenos. Dependemos de que o mercado cresça, então oferecemos soluções sob medida com informações de mercado”, conta. Garcia cita o exemplo de um de seus clientes, um pequeno fabricante de sapatos que queria exportar para a Europa. “Conversamos, entendemos o que ele queria e montamos um planejamento que contemplou o envio de um estoque básico de quatro contêineres para nossos armazéns em Lisboa, a montagem de uma página de e-commerce na Europa oferecendo seus produtos, apoio logístico de venda, logística reversa, inteligência de mercado, rastreamento, controle de estoque digital e faturamento, para que ele identificasse exatamente quanto vendia, lucrava e o valor dos nossos serviços. É um projeto complexo, mas clientes pequenos como ele adoram, porque sozinhos não conseguiriam disponibilizar seus produtos para 500 milhões de habitantes do mercado europeu”, pondera. É lógico que a operação logística não garante o sucesso das vendas, mas é metade do caminho. Usando o mesmo exemplo, se essa empresa de sapatos usa as informações de mercado, vende mais e decola, os quatro contêineres viram oito, 20, 50. Assim, ela deixa de ser pequena e passa a caminhar com as próprias pernas, usando a infraestrutura da Rangel. Por tudo isso, a empresa está otimista. O mercado de logística demonstra ter muitas oportunidades. Garcia garante que o desenvolvimento da área vai criar uma corrente positiva, ou seja, vai absorver muita mão de obra, impulsionar a compra de equipamentos e demandar mais estruturas de armazenagem e desenvolvimento digital, entre muitas outras boas consequências. Mais otimista ainda, a Tora já faz as contas e espera um crescimento substancial da empresa. “As perspectivas são positivas e a tendência é crescermos mais de 20% em 2021, mesmo com um cenário econômico tão adverso”, projeta Ribeiro. Garcia concorda: “independentemente dos problemas, o Brasil hoje é bem diferente do que era há cinco anos. Acho que o país está em bons trilhos!”.



Análise

O DESAFIO DAS

SHORTLINES 36 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |


O Marco Regulatório do setor ferroviário deve propiciar o surgimento de novos pequenos trechos ferroviários (chamados shortlines), mas que levantam ainda muitas questões sobre sua implantação, viabilidade e operacionalidade

P

or definição, shortlines são ferrovias de pequeno e médio porte com abrangência local em relação a uma grande companhia ferroviária de abrangência nacional. O novo marco regulatório ferroviário irá propiciar que a iniciativa privada possa construir e operar novos trechos ou solicitar e operar trechos ociosos já existentes. Portanto, elas são talvez as maiores oportunidades de negócios que surgirão a partir da entrada em vigor do novo marco. Essas ferrovias operam em três tipos de modelos de negócios: (1) operações em sincronia com uma companhia Classe I, (2) operações dedicadas a indústrias, isoladas ou em grupo, e (3) turismo. E são definidas por classificações de órgãos fiscalizadores e associações do setor ferroviário. | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 37


Frederico Bussinger está otimista quanto às shortlines, mas recomenda atenção às regras de direito de passagem

sem direito de passagem assegurado operacional e comercialmente, a razão de ser de uma shortline fica comprometida

Há tempos se discute regulamentar as shortlines no Brasil. Entretanto, o especialista em transportes e sócio-diretor da Katalysis Consultoria e Empreendimentos, Frederico Bussinger, acha que o Marco poderia ter sido mais “benéfico” nesse sentido. Segundo ele, o universo de ferrovias pode ser subdividido em três grupos básicos conforme sua função: estruturais, alimentadoras e dedicadas. As estruturais compõem a rede básica, a espinha dorsal do sistema; as alimentadoras espraiam a captação de/para as estruturais; e as dedicadas conectam um centro de carga específico (em geral um único cliente/usuário) a uma estrutural ou alimentadora. São exemplos das dedicadas as três paraenses (Jari, Trombetas, Juruti). “O novo Marco Regulatório não faz essa distinção claramente, seja o Projeto de Lei (PLS-261/18) a ser aprovado pelo Congresso, seja a Medida Provisória (MP-1.065/21) do Governo Federal. Isso pode ter implicações negativas e relevantes sobre o modelo ferroviário brasileiro e sobre a regulação. Se faz sentido imaginar a outorga por meio de autorização para as dedicadas e alimentadoras (escopo das shortlines), é difícil entendê-lo para ferrovias estruturais. Por outro lado, sem direito de passagem assegurado operacional e comercialmente, a razão de ser de uma shortline fica comprometida: e disso nem o PLS nem a MP tratam adequadamente”, explica. PÚBLICO X PRIVADO As relações entre os setores público e privado precisarão de regras claras e bem de-

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finidas para um bom funcionamento e o fomento das shortlines no Brasil. João Felipe Rodrigues Lanza, um estudioso profundo do tema e autor do livro “Ferrovias, mercado e políticas públicas: as shortlines como solução para o transporte ferroviário no Brasil”, acredita ser fundamental a definição de regras para a fiscalização das novas ferrovias e o estabelecimento do papel da autorregulação previsto no PL261. “Creio que para a autorregulação seja importante a criação de uma associação nos moldes da Association of American Railroads (AAR), para a resolução de determinados conflitos entre companhias ferroviárias e o estabelecimento de padronizações técnicas e operacionais para facilitar operações compartilhadas e o cumprimento do direito de passagem entre as ferrovias.” Mas parece não ser tão simples assim. O Governo Federal precisa assumir posições, não só para definir responsabilidades como também seu papel, inclusive nos casos de seu próprio interesse. “O Governo pode se beneficiar com projetos de novas ferrovias. Na África do Sul, por exemplo, há trens-hospitais, trens-escolas, de transporte de militares... E também de passageiros para lugares distantes do país. Estão querendo, por exemplo, reativar as ferrovias do Amapá, que estão paradas desde 2014. Elas são o único meio de transporte no interior do Estado, porque não há estradas em condições de tráfego. E o povo de lá precisa. É hora de repensar também o papel do governo nessa retomada do setor ferroviário”, defende José dos Passos, profissional com mais de 40 anos de mercado e atual consultor da Terra Trilho. CARGAS X PASSAGEIROS A entrada da iniciativa privada nas shortlines provavelmente deve beneficiar o transporte de cargas. Lanza, por exemplo, acredita que esse é mais atrativo para novos investidores privados. “O transporte de passageiros, embora também seja beneficiado, deve ganhar um papel secundário, por meio de parcerias com operadores estatais, estaduais ou municipais (que provavelmente serão minoritários), ou por meio de trens de passageiros inclusos nas ferrovias de carga, nos moldes dos operados pela Vale na Estrada de Ferro Vitória a Minas e E.F. Carajás”, acredita.


Outro ponto a ser discutido são os trechos de maior interesse comercial. Para evitar que empresas ou grupos se beneficiem ao solicitar vários trechos sem abertura de licitação para outros interessados, Lanza defende a necessidade do cumprimento dos termos de caducidade. “Para evitar que muitos projetos de shortlines morram na praia, é necessário garantir segurança jurídica, estabelecer normas claras para o regime de autorização. E também para o caso de o operador assumir vários trechos e não os concluir ou operar, e do direito de passagem para garantir que outros operadores ferroviários não sejam prejudicados”, adverte. “No passado, tinha shortlines pelo país todo, até ferrovias em fazendas. Elas caíram em desuso, mas hoje, com a entrada do Marco e da iniciativa privada, elas voltarão a ser viáveis. Porém, as shortlines terão que negociar com as concessionárias para se conectarem a elas. O direito de passagem vai ser um gargalo. Por isso acho que as próprias concessionárias é que vão empreender shortlines para aumentar sua abrangência”, prevê Passos. Bussinger também acredita que as atuais concessionárias serão as maiores interessadas em construir as linhas curtas. Mas inclui um segundo grupo entre os grandes projetos que demandam acesso à rede básica. “Do segundo grupo, basta consultar o “Pro-Trilhos” (programa do Governo Federal com base na MP), onde consta a Fazenda Campo Grande (7,0 km) e a Bracell (4,29 e 19,50 km). E, do primeiro, exemplifica-o a recente autorização mato-grossense à Rumo (Rondonópolis a Lucas do Rio Verde) e a grande incidência de pleitos no Programa da Rumo, VLI e Ferroeste” detalha. Lanza concorda que as atuais concessionárias podem se beneficiar com as shortlines. “Entretanto devem atuar de forma complementar aos seus atuais corredores, com funções de captação de mercadorias para as linhas principais, bem como assumir ramais que hoje se encontram ociosos por não serem de interesse das mesmas, e assim priorizar um modelo de negócios voltado para operações de maior escala”, prevê. Na visão de Lanza, algumas linhas, como a de Bauru a Panorama ou o ramal Cajati-Santos podem ser revitalizadas como shortlines. “Já outras linhas, como é o caso de muitas no Nordeste, que possuem traçados obsoletos e se encontram bastante descaracterizadas,

O estudioso do tema João Felipe Rodrigues Lanza e seu livro “Ferrovias, mercado e políticas públicas: as shortlines como solução para o transporte ferroviário no Brasil”

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sos de linhas ferroviárias revitalizadas para turismo. O desafio é garantir-lhes a prestação continuada dos serviços”, adverte Bussinger. “A ferrovia induz muito desenvolvimento da região por onde passa. É fato. Além de regiões pouco populosas, ela pode ser uma boa alternativa para regiões lindas e distantes do Brasil que podem ser exploradas por empresas turísticas. A ferrovia é sustentável. A gente brinca que ela não faz nem poeira! Seria uma excelente oportunidade de novos negócios para o setor turístico. Há, por exemplo, um trecho ferroviário no Pantanal que está ocioso e que poderia muito bem ser explorado turisticamente”, garante Passos. Passos acredita que as próprias concessionárias vão empreender shortlines para aumentar sua abrangência

O que alavanca uma shortline (como qualquer ferrovia) é a demanda, seja de cargas ou passageiros

são pouco atrativas para revitalização. Nesses casos, construir linhas novas pode ser mais atrativo para os investidores”, sugere. Por outro lado, a malha ferroviária ociosa existente pode ser interessante para projetos desses trechos curtos. Segundo Bussinger, isso facilita licenciamentos e, em geral, reduz a necessidade de aquisições e desapropriações. “Mas isso não é condição suficiente: o que alavanca uma shortline (como qualquer ferrovia) é a demanda existente ou com potencial de existir em um futuro próximo, seja de cargas ou passageiros. Sem isso, não há como dar vida a trilhos ociosos, a não ser que se conte com aporte de recursos de outras fontes, como Tesouro Nacional ou receitas acessórias”, defende o consultor. Passos é otimista quanto à revitalização dos trechos ferroviários ociosos. “Utilizá-los é uma esperança. Tem muito trecho pronto, mas considerado fraco comercialmente. A própria malha oeste, do Mato Grosso do Sul, está em processo de relicitação. Já trechos de passageiros para ligar cidades do interior, por exemplo, teriam que ter a participação do Governo para viabilizar. A passagem de trem compete com a de avião. O Brasil é um país continental que precisa de transporte de passageiros”, afirma Passos. TURISMO SOBRE TRILHOS Uma coisa é certa: todos concordam que o turismo irá se aproveitar do modelo das shortlines. “Elas irão facilitar a entrada de novos operadores no mercado. Aliás, já há ca-

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EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL As shortlines funcionam muito bem em países como os EUA e o Canadá. Inclusive, segundo Lanza, algumas boas práticas adotadas na América do Norte podem ser implementadas aqui. “Uma das principais é o programa de crédito tributário Railroad Track Maintenance Tax Credit, popularmente conhecido como 45G. Ele consiste no retorno de parte dos impostos pagos pelas shortlines na forma de crédito para financiar obras de infraestrutura ferroviária”, sugere. Segundo o pesquisador, o 45G foi criado em 2005 como forma de auxiliar o crescimento das linhas curtas pela revitalização de ramais ferroviários que se encontravam em mau estado de conservação e seriam completamente perdidos, não fosse a atuação local. “Após mais de 15 anos, esse programa é visto como um exemplo de política pública de sucesso que facilitou uma solução de mercado para a revitalização de linhas férreas consideradas deficitárias. Pode ser replicado de forma similar para incentivar a revitalização de várias linhas férreas brasileiras que hoje se encontram completamente abandonadas”. Já Bussinger considera eficiente o modelo americano, mas avalia que a realidade muito distinta do Brasil poderia ser um impeditivo para a implementação aqui. “Há muitas lições a serem aprendidas: tanto por similaridades como, principalmente, por diferenças. Portanto, temos dois caminhos (ou combinação deles): aproximar nossos referenciais daqueles vigentes nos EUA; ou, como alfaiate, concebermos/ talharmos (e pactuarmos) um modelo que se ajuste ao figurino brasileiro”, defende.


O EXEMPLO CANADENSE O Comissário de Comércio e Infraestrutura do Consulado do Canadá em São Paulo, Marcio Francesquine, revelou para a Sobretrilhos um pouco da experiência canadense com as shortlines “As ferrovias no Canadá têm um papel particularmente importante na história do país, tendo se tornado a espinha dorsal dos serviços de transporte atualmente. Nas últimas décadas, uma das evoluções mais interessantes do setor ferroviário foram as shortlines, consideradas de grande importância, já que sua operação inclui não apenas a comercialização de novos serviços ferroviários em linhas de curto alcance, mas também impactam de forma positiva a competitividade em mercados onde os operadores tradicionais não tiveram sucesso. As shortlines no Canadá são tradicionalmente classificadas como ferrovias de Classe II, sendo que as ferrovias tradicionais da CN, CP e Via Rail são classificadas como Classe I, e operações ferroviárias terminais são referidas como Classe III. O termo shortlines foi cunhado nos Estados Unidos após a aprovação do Staggers Rail Act em 1980, mas no Canadá as ‘linhas curtas’ surgiram após 1993. São operações que podem ser independentes, mas que geralmente operam como afiliados de uma classe. A definição de shortlines no Canadá é de ‘(...) uma empresa, sob jurisdição federal ou provincial que possui ou aluga uma(s) linha(s) de ramal conectando com um ou mais trilhos pertencentes ou operados por uma ou mais operadoras de linha principal e que operam trens nessa(s) linha(s) ramificada(s) como um serviço alimentador para a linha da transportadora principal para avanço por essa linha e/ou como um serviço alimentador a partir da linha da transportadora principal para pontos na(s) linha(s) de ramal’. Segundo o Ministério do Transporte do Canadá, o país tem cerca de 60 ferrovias de linhas curtas, com as províncias de Quebec e Ontario concentrando a maioria delas,

com 31% e 25% do total, respectivamente. As linhas regionais e as shortlines no Canadá têm mais de 13.209 quilômetros (ou 27,1%) do total de 48.683 quilômetros de trilhos, gerando uma receita de mais de US$ 19 bilhões de toneladas-quilômetro, ou 7,55% da produção ferroviária total (2005). E empregam 4.802 trabalhadores ou 13% do total de empregos do setor ferroviário canadense. Um exemplo do impacto de uma shortlines na economia local é a Great Sandhills Railway na província de Saskatchewan, que direciona de 85% a 90% das suas compras em um raio de 100 milhas da linha férrea. Essa injeção econômica inclui a compra local de combustível, serviços e representa uma importante fonte de recurso dos municípios ao longo da linha de 198 quilômetros, que se estende de Swift Current, Saskatchewan, até o outro lado da fronteira de Alberta em McNeill. Outro exemplo é a Huron Central Railway do Canadá, da Genesee & Wyoming (G&W), no norte de Ontário, entre Sudbury e Sault Ste. Marie, que atende uma fábrica de produtos florestais e uma siderúrgica. Ambos negócios dependem da ferrovia local para movimentar mercadorias a granel a um custo competitivo. Por sua vez, as comunidades ao redor dependem dessas indústrias, que são grandes empregadores. Portanto, se a shortline cair, o mesmo acontecerá com a indústria e com todos os trabalhos e a comunidade. Resumindo, shortlines oferecem um serviço vital para muitas empresas canadenses remotas que não seriam capazes de competir no mercado, ou pior, simplesmente não existiriam sem essa opção de transporte econômica”.

Marcio Francesquine, Comissário de Comércio e Infraestrutura do Consulado do Canadá em São Paulo, acredita que as shortlines são a espinha dorsal dos transportes no Canadá

Shortlines oferecem um serviço vital para muitas empresas canadenses remotas que não seriam capazes de competir no mercado, ou pior, simplesmente não existiriam

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Tecnologia

OS TRENS DO

FUTURO Japão e China disputam qual país irá dominar a tecnologia de construção de trens de passageiros ultrarrápidos e levitantes, mas Brasil também tem seu protótipo

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E

nquanto as indústrias automotivas disputam a atenção do mundo com seus projetos de veículos híbridos ou elétricos, China e Japão apostam num outro tipo de negócio no setor de transportes. Eles competem para ver quem domina a tecnologia de trens de passageiros hi-tech, ultrarrápidos e levitantes. Levitantes? Sim. São trens denominados maglev, que usam a tecnologia de levitação magnética, ou seja, usam ímãs que os levantam cerca de 10 centímetros acima dos trilhos para que deslizem de maneira super-rápida, sem atritos e silenciosamente. A tecnologia dos trens levitantes ganhou impulso na década de 1980, com o advento dos supercondutores, e seu uso é considerado ideal para ligar trechos de curtas distâncias. Mas, de lá para cá, a tecnologia evoluiu tremendamente em duas direções: os chineses optaram pelos imãs atrativos e os japoneses, pelos imãs repulsivos. Apesar dos diferentes caminhos, as potências asiáticas já investem pesado no uso dessa tecnologia e também mudaram o foco

para usar os maglev em linhas intermunicipais de longa distância. A China largou na frente e inaugurou em 2004 uma linha com um trem maglev que liga o aeroporto de Pudong à estação Longyang, nos arredores de Shanghai. E se superou. Atualmente, ele é o trem mais rápido do mundo, que viaja a espantosos 431 km/h com o uso da tecnologia. Para se ter uma ideia, os 30 quilômetros da linha são percorridos em apenas sete minutos e meio. No Japão, a Central Japan Railway Co. está investindo 9 trilhões de ienes (cerca de US$ 86 bilhões) na construção de um maglev que terá 16 vagões, capacidade para mil passageiros e ligará as cidades de Tóquio a Osaka, com escala em Nagoya. Quando entrar em operação, será o trem mais rápido do mundo, atingindo 600 Km/h, completando o percurso em apenas uma hora. A expectativa é que o trecho a Nagoya seja inaugurado até 2037 e que tudo esteja pronto até 2040. Não satisfeita, a China partiu para um projeto ainda mais ambicioso. A linha que conectará Xangai à cidade portuária de

O visual futurista do trem da CRRC, em Qingdao, na China, é um exemplo do incrível estágio tecnológico desses trens levitantes

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O MC Maglev, da Japan Rail Pass, quando entrar em operação, será o trem mais rápido do mundo, atingindo incríveis 600 km/h

O Maglev-Cobra é silencioso, econômico, esbelto, leve, confiável, sustentável, perfeito para os centros urbanos

Ningbo por um trem maglev ultrarrápido promete viagens também a 600 km/h e está avaliada em 100 bilhões de yuans (US$ 15 bilhões). A obra está prevista para ser concluída em 2035, ou seja, antes da japonesa. Essa disputa magnética em altíssima velocidade entre os países se justifica não só por oferecer um transporte rápido, seguro, silencioso, sustentável e confortável para os passageiros. Especialistas apontam que o país que dominar essa tecnologia para transporte de longa distância terá a vantagem de exportar a expertise e poderá atender a um mercado global estimado em US$ 2 trilhões. Por conta disso, os governos desses dois países destinaram verbas milionárias para viabilizar os empreendimentos e ver quem ganha a “corrida”. A ALTERNATIVA BRASILEIRA Aqui no Brasil, desde 2016 o Centro de Tecnologia do Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia - UFRJ) vem desenvolvendo com muito sucesso o Maglev-Cobra, um protótipo de trem de levitação magnética. O veículo já transportou mais de 20 mil passageiros ao longo da linha experimental que liga o Centro de Tecnologia 1 ao Centro de Tecnologia 2, na Cidade Universitária, no período em que aguardava certificação para ser oferecido ao mercado. Mas, no final de 2020, depois de um investimento de 17 milhões de reais, o projeto foi paralisado e as viagens, desativadas por falta de financiamento governamental. O coordenador do projeto do Maglev-Cobra e professor do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe, Richard Stephan, afirma

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que a universidade apoiou até onde pode e lamentou o desinteresse do governo pelo projeto. “O protótipo experimental foi construído de forma artesanal e provou seu valor, compatível com a primeira fase de testes em ambiente externo. A propriedade intelectual está garantida por patentes já aprovadas. Foi realmente uma pena os recursos governamentais terem cessado ”. Segundo ele, o Maglev-Cobra tem todas as condições de ser aproveitado como alternativa de transporte de passageiros para centros urbanos e apresenta uma série de vantagens se comparado a outros modais, como o VLT, em operação no Rio de Janeiro, ou o Monotrilho, em São Paulo. “O Maglev-Cobra é silencioso, econômico, esbelto, leve, confiável, sustentável, perfeito para os centros urbanos, pois não precisa ser subterrâneo e funciona bem em vias elevadas, com um custo de implantação muito menor do que outros tipos de trens. Para se ter uma ideia, é mais leve que um VLT”, garante Stephan. Para ilustrar, o professor fez uma comparação com o metrô subterrâneo, considerado como modelo de solução de transporte de passageiros para as grandes cidades. O custo de implantação destas vias encontra-se entre R$ 100 milhões e R$ 300 milhões por km, ou até mais, dependendo do tipo de solo a ser escavado. A tecnologia Maglev-Cobra tem articulações múltiplas, que permitem ao trem efetuar curvas de raios de 50m, vencer aclives de até 15% e operar em vias elevadas a 70km/h ou mais. E seu custo de implantação é cerca de 1/3 do Metrô, comparável ao de um VLT e mais econômico que o Monotrilho.


Outra grande vantagem é que, por ser movido a energia elétrica, o Maglev-Cobra funciona sem a emissão de gases poluentes e não produz poluição sonora. E ainda harmoniza com a arquitetura das cidades em vias elevadas, conferindo um visual futurista aos locais onde for instalado. O professor argumenta ainda que o Maglev-Cobra chegou ao TRL 7, uma escala de maturidade tecnológica criada pela NASA. A

escala varia de 1 a 9, e termina quando o produto está pronto para o mercado. De acordo com Stephan, o Maglev-Cobra depende apenas de um financiamento privado para que seja viabilizado industrialmente. “Eu já tenho interessados em investir parte do montante necessário. Com mais 10 milhões, eu viabilizo o protótipo industrial e o Maglev-Cobra, produto da tecnologia nacional, poderá ser efetivamente oferecido aos interessados em colocá-lo para rodar num trecho comercial”, garante.

O Maglevcobra, produto da tecnologia nacional, pode ser oferecido aos interessados para rodar num trecho comercial

O Maglev-Cobra tem articulações múltiplas, que permitem efetuar curvas de raios de 50m, vencer aclives de até 15% e operar em vias elevadas a 70km/h

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Cenário

O NOVO METRÔ

DE SÃO PAULO

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Novas linhas, novas estações, novos trens e muita tecnologia, é o que promete o Metrô para a cidade de São Paulo

O Metrô da capital paulista investe em novas linhas, equipamentos modernos e alta tecnologia para oferecer mais e melhores alternativas de transporte para seus usuários

O

Metrô de São Paulo é controlado pelo Governo do Estado de São Paulo, sob gestão da Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos (STM). A companhia é responsável pela operação, planejamento e expansão da rede metroviária de transporte de passageiros da Região Metropolitana de São Paulo. A rede metroviária da cidade é composta por seis linhas, totalizando 101,1 km de extensão e 89 estações, e está integrada à CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) nas estações Luz, Tamanduateí, Brás, Palmeiras-Barra Funda, Tatuapé, Corinthians-Itaquera, Pinheiros e Santo Amaro, e aos outros modais de transporte na cidade de São Paulo. O Metrô-SP é responsável pela operação das Linhas 1-Azul (Jabaquara - Tucuruvi), 2-Verde (Vila Prudente – Vila Madalena), 3-Vermelha (Corinthians-Itaquera – Palmeiras-Barra Funda) e o Monotrilho da Linha 15-Prata (Vila Prudente – Jardim Planalto), somando 69,7 km de extensão e 62 estações. Pela rede administrada pelo Metrô, passam 4 milhões de passageiros diariamente. Já a Linha 4-Amarela (Luz – São Paulo Morumbi), é operada pela ViaQuatro em regime de PPP (Parceria Público-Privada) desde 2010. Possui 11,4 km de extensão e 10 estações. E os 20 km e 17 estações da Linha 5-Lilás (Capão Redondo – Chácara Klabin) passaram a ser operados em regime de concessão pela ViaMobilidade em agosto de 2018. Em uma metrópole como São Paulo, o Metrô é vital para oferecer uma alternativa de transporte público boa, eficiente e a preços acessíveis para uma população que já ultrapassou os 12 milhões de habitantes. Por isso, a rede metroviária precisa ser expandida e melhorar, a fim de suprir as necessidades cada vez maiores da população paulistana. Por isso, recentemente o Metrô de São Paulo anunciou ampliações na linha metroviária da capital paulista, além da construção de novas estações. O Metrô está expandindo sua malha com obras em quatro diferentes linhas: 2-Verde, no trecho Vila Prudente-Penha, com oito estações e 8,4 km de via; 4-Amarela, no trecho Vila Sônia, com uma estação e 1,5 km de via; 15-Prata, no trecho São Mateus-Jd. Colonial, com uma estação e 1,8 km de via; 17-Ouro, no trecho Aeroporto de Congonhas-Morumbi (integração com a Linha 9 CPTM), com oito estações, um pátio de estacionamento, manutenção e 8 km de via. Também está implantando portas de plataformas nas Linhas 1, 2, 3 e 5, em operação. “Todas as atuais obras em execução pelo Metrô são feitas com recursos do Governo do Estado. O planejamento de novas linhas também é feito pelo Metrô, fornecendo subsídios técnicos para que a administração pública defina as fontes de investimento, sejam públicas ou privadas. Para a implantação da Linha 20-Rosa, o Metrô deve contratar uma empresa que desenvolverá um estudo mercadológico e um modelo de atração de capital privado”, explica Silvani Alves Pereira, Diretor-Presidente da Companhia do Metrô de São Paulo.

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Todas as atuais obras em execução pelo Metrô são feitas com recursos do Governo do Estado. O planejamento de novas linhas também é feito pelo Metrô

Silvani Alves Pereira, DiretorPresidente da Companhia do Metrô de São Paulo, afirma que o objetivo é não ter mais obras paradas

No entanto, o Metrô enfrenta uma incômoda situação de obras paralisadas por contratos que não foram cumpridos e estão sendo retomados na justiça para novas licitações. A mais evidente se refere às do monotrilho da Linha 17-Ouro do Metrô. Essa linha terá 17,7 quilômetros de extensão e pretende fazer a ligação entre a Estação Morumbi, da Linha 9–Esmeralda da CPTM, com a Estação Congonhas, no aeroporto de Congonhas, passando também pela Linha 5–Lilás. A linha fez parte do projeto que a cidade apresentou para ser sede da Copa do Mundo de 2014. Só que o início de suas operações, prometido para 2013, passou para 2014, depois para 2016, 2019, 2020, 2022 e, atualmente, para 2023. Os paulistanos que passam pela Avenida Águas Espraiadas constatam diariamente que as obras estão paralisadas ou andando a passos lentos, causando uma imagem muito negativa da administração do Metrô. Pereira garante que uma das diretrizes dessa gestão do Governo do Estado é não ter obras paradas. “Com essa premissa, uma das primeiras medidas foi a rescisão de contratos com atividades paradas ou em ritmo lento, para poder retomar as obras que vão concluir a Linha 17-Ouro. A fabricação de trens e sistemas foi retomada, bem como as obras civis. Os trabalhos agora estão em fase de acabamento das estações e do pátio, instalação de escadas rolantes e outros sistemas, além da finalização da via. A linha de monotrilho 17-Ouro foi projetada para ser uma importante ligação do aeroporto de Congonhas com a rede metroferroviária de São Paulo, independentemente da realização da Copa do Mundo de Futebol 2014. Depois de fazer parte da Matriz de Responsabilidade, o empre-

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endimento foi retirado desse rol de ações em 26 de dezembro de 2012, conforme publicação no DOU (resolução nº 22, de 21/12/12, do Ministério do Esporte)”, defende.

INICIATIVA PRIVADA

O Metrô convive com outra realidade. As linhas 4-Amarela e 5-Lilás têm uma avaliação muito positiva dos usuários por sua organização e modernidade. Elas foram construídas pelo Metrô, e a Linha Lilás foi operada pela companhia até agosto de 2018. Atualmente, os dois trajetos foram concessionados e estão sendo operados pela iniciativa privada. A ViaMobilidade é a atual responsável pela operação e manutenção da Linha 5-Lilás pelo prazo de 20 anos. Ao longo de sua vigência, os contratos de concessão estipularam investimentos de R$ 3 bilhões em manutenção, conservação, melhorias, requalificação, adequação e expansão das linhas. A ViaQuatro é a responsável pela operação e manutenção da Linha 4-Amarela, sendo a primeira empresa no país a assinar um contrato de PPP nesse setor. “Ao assumirem a operação das linhas, as concessionárias tomaram como meta, desde o início, tornarem-se referência em mobilidade urbana. O objetivo vem se consolidando ao longo dos anos, tendo como base os indicadores de satisfação de seus passageiros, os bem-sucedidos modelos de gestão do negócio e os investimentos em tecnologia, a fim de oferecer a todos um transporte cada vez mais seguro, confortável e eficiente”, afirma o diretor-presidente da ViaQuatro e da ViaMobilidade, Francisco Pierrini. A ViaQuatro possui, hoje, uma frota de 29 trens, compostos cada um por seis carros com capacidade para transportar 1.500 passageiros com conforto. Antes da pandemia do coronavírus, a concessionária chegou a transportar, por dia, 800 mil passageiros. Esse número atualmente é um pouco menor, mas, em respeito aos passageiros, a ViaQuatro não reduziu em nenhum momento da quarentena a quantidade de trens em circulação. A meta é chegar a 1 milhão de passageiros quando todas as 11 estações estiverem em funcionamento, ligando a região da Luz, no Centro da cidade, à Vila Sônia, na zona oeste. Segundo Pierrini, a ViaQuatro é muito bem avaliada por seus clientes. Desde o início parcial da operação comercial, em junho de 2010, a concessionária detém altos índices de satisfação geral. Mais de 90% dos que usam a Linha 4-Amarela consideram seu serviço bom ou muito bom.


Em relação à ViaMobilidade, Pierrini detalhou que a preocupação com o conforto dos passageiros relaciona-se diretamente às obras de requalificação nas estações Capão Redondo e Campo Limpo, que passaram por algumas mudanças nos acessos e interiores, com o objetivo de facilitar o fluxo de passageiros. “Também foi feita uma modernização no Centro de Controle Operacional (CCO). É importante ressaltar que as concessionárias prestam um serviço que vai além do transporte de passageiros de um ponto a outro da cidade. Dentro do conceito de mobilidade humana, buscam entender as necessidades dos passageiros com soluções inovadoras para prestar um serviço de excelência”, garante o diretor. No contexto da pandemia, inclusive, as concessionárias se esforçaram para garantir que as pessoas que não puderam trabalhar remotamente se sentissem seguras circulando no transporte público. “Foram realizadas diversas ações voltadas a segurança alimentar, saúde em geral e saúde mental. Sem deixar de lado as atrações culturais que também são uma marca das linhas. Desde o início das operações, as concessionárias oferecem com constância aos passageiros exposições de fotografia, arte, espetáculos de música e dança, além de uma série de campanhas em prol dos direitos humanos, incentivo à leitura e ao autocuidado”, conta Pierrini.

TECNOLOGIA NOS TRENS

O Metrô também aposta em inovações tecnológicas que aumentem o conforto dos usuários e a eficiência operacional. Um exemplo de modernidade é a Linha 15-Prata, a mais recente a ser implantada pelo Metrô, operando atualmente por monotrilho entre as estações de Vila Prudente e São Mateus. Ela conta com trens novos e um sistema de sinalização moderno, com monitoramento feito de forma centralizada. Além disso, todas as estações têm portas de plataforma e as escadas rolantes têm sensores de presença que as mantêm paradas quando não há pessoas utilizando. Segundo Silvani Pereira, a linha se tornou a mais bem avaliada das operadas pelo Metrô de São Paulo, com quase 80% de aprovação. Na América Latina, a Linha 4-Amarela é pioneira no uso do sistema driverless, ou seja, operação automática sem a presença de condutor dentro do trem, que permite a supervisão permanente de velocidade, conferindo mais segurança e precisão à operação.

O Diretor-Presidente acrescenta ainda que a expansão da Linha 2-Verde também vem sendo feita com práticas modernas e que o Metrô investe em inovação e tecnologia para modernizar as operações das linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha. “Todas as estações terão portas de plataforma, que oferecem mais segurança e reduzem as interferências na via, aumentando a regularidade na circulação dos trens. Essas linhas também estão recebendo o sistema de sinalização e controle de trens CBTC, novo sistema de monitoramento eletrônico e a concessão comercial e de terminais de ônibus anexos, modernizando estruturas e oferecendo melhores serviços aos passageiros”, garante Pereira. Ele destaca que a tecnologia empregada no controle de trens e na sinalização vai permitir uma redução do intervalo de circulação, o que pode ser de muita valia nos horários de pico. “Este sistema CBTC já funciona nas linhas 15-Prata e 2-Verde, e vem sendo instalado nas linhas 1-Azul e 3-Vermelha. Ele permite ainda uma melhor gestão da tração dos trens, ajudando na redução do consumo de energia e do uso da frenagem. Isso diminui o desgaste dos equipamentos e proporciona ao passageiro uma viagem com menos solavancos nas acelerações e frenagens. Também planejamos a compra de 44 novos trens com tecnologia UTO, que é atualmente o maior nível de automação de composições, podendo funcionar de forma totalmente autônoma. Eles serão utilizados na ampliação da Linha 2-Verde”, afirma Pereira. As novidades tecnológicas não param por aí. O Metrô investe em tecnologia que o passageiro não vê, mas vem sendo aplicada gradativamente, como o sistema que monitora constantemente diversos equipamentos de trens, vias, sistemas e estações, antecipando falhas e melhorando os processos de manutenção, gerando também economia. “Outro projeto interessante é o CCOx, que vai reformular todo o centro de controle física e conceitualmente a partir do uso da tecnologia.

Francisco Pierrini, diretorpresidente da ViaQuatro e da ViaMobilidade, afirma que as concessionárias querem ser referência em mobilidade urbana

A intenção das concessionárias é aprimorar o conceito de mobilidade humana, com atenção sempre focada no bem-estar do passageiro que circula por nossas linhas e estações

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A Estação Fazenda da Juta faz parte da da Linha 15–Prata de monotrilho do Metrô de São Paulo, a mais tecnológica e bem avaliada pelos usuários

Ele aprimora o trabalho de monitoramento e controle do sistema, melhorando também a experiência do passageiro e do funcionário, por meio de um modelo moderno de trabalho. A ideia é ter uma estrutura que facilite expansões e atualizações tecnológicas sempre que necessário”, garante Pereira.

A SUPERLOTAÇÃO

O Metrô é um transporte de massa com uma alta capacidade de oferta de viagens. Antes da pandemia, somente as linhas operadas pelo Metrô transportavam perto de 4 milhões de pessoas por 50 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

dia. Conforme a última Pesquisa Origem-Destino apurou, o tempo médio de viagem das pessoas nos transportes coletivos na Grande São Paulo caiu 10%, entre 2007 e 2017, mostrando a eficiência desse modal e a atração dos passageiros. “Por isso, os investimentos na expansão da rede são focados em linhas que redistribuem a demanda através de novas conexões, como é o caso da Linha 2-Verde: a estação Penha terá interligação com a Linha 3 e uma outra estação será construída para a interligação com a Linha 11 da CPTM. Também é o caso da 17-Ouro, com acesso direto às linhas 5-Lilás e 9-Esmeralda, além da 15-Prata, que será ampliada até Jacu-Pêssego e Ipiranga, conectando-se à Linha 10-Turquesa”, detalha Pereira Outra antiga promessa do governo para diminuir a superlotação do Metrô e oferecer mais alternativas de transporte é melhorar a integração com as linhas da CPTM e de ônibus. A integração tarifária já existe e o passageiro pode, por exemplo, percorrer mais de 370 km de linhas em 23 diferentes municípios de São Paulo com uma única tarifa. Para utilizar também os ônibus, há um desconto no preço da passagem, que cai de R$ 4,40 para R$ 3,25. Mesmo assim, há quem defenda a volta da tarifa única de 2h, período durante o qual o usuário pagaria apenas uma passagem independentemente de usar metrô, ônibus ou trem da CPTM. Isso beneficiaria uma grande massa de pessoas que utilizam o transporte público para ir e voltar do trabalho. Por ora, o Metrô preferiu oferecer mais al-


ternativas para a aquisição dos bilhetes, que podem ser comprados em máquinas de autoatendimento com cartões de débito ou por aplicativos de celulares, com cartão de crédito, e até mesmo por WhatsApp. “Isso faz parte de um plano para que a compra de passagens seja feita por esses meios e em postos credenciados fora das estações, trazendo economia, evitando filas e aumentando os locais para aquisição”, defende Pereira. Entretanto, São Paulo é uma cidade que não para de crescer e a demanda pelo transporte público aumenta a cada dia. Na visão de Pierrini, o problema ainda não é crônico. “Quanto à demanda dentro dos trens, tanto nas composições da ViaQuatro quanto nas da ViaMobilidade, estava dentro dos padrões internacionais de transporte de passageiros em massa nos horários de pico, mesmo antes da pandemia”.

EFEITOS DA PANDEMIA

O Metrô de São Paulo registrou um prejuízo de R$ 1,7 bilhão em suas receitas em 2020, em virtude da queda do número de passageiros no sistema por causa do isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus, que afetou o setor de transportes não só em São Paulo, mas em todo o mundo. Porém, o diretor-presidente garante que a redução da receita em nada interferiu na operação das linhas, que continuaram com a oferta máxima possível de trens em circulação. “Além da ampliação dos trabalhos de higienização, o Metrô também adotou medidas de redução de custos que trazem resultados e serão potencializadas a médio e longo prazo. Já antes da pandemia, o Metrô investia na modernização de sua estrutura operacional e administrativa, junto com a diversificação das receitas. A Companhia vem investindo nessa frente com a exploração de serviços comerciais, de publicidade e imobiliários, como as concessões de terminais de ônibus anexos e de comércios nas estações, visando a obtenção de mais recursos, além de economizar nas despesas de manutenção desses ativos”, explica Pereira. Inclusive, o Metrô de São Paulo inovou ao lançar um vagão higienizado com um produto especial para matar o coronavírus. Segundo Pereira, o teste mostrou a eficácia de películas que revestem superfícies internas do trem em locais onde há maior incidência de contato dos passageiros. “O Metrô abriu um chamamento público para encontrar parceiros que possam ajudar na

colocação desse material, em troca de exposição publicitária. Mas, além disso, o Metrô mantém rígidos protocolos de higienização, que foram intensificados durante a pandemia, com a limpeza de estações e trens ao fim de cada viagem, além do reforço de reposição de insumos dos banheiros”, reforça. Com todos esses cuidados, investimentos em novas linhas, em trens mais modernos e em tecnologia, tanto o diretor-presidente do Metrô-SP quanto o das Concessionárias garantem que os paulistanos podem esperar ainda mais eficiência desse transporte num futuro próximo. “No caso das concessionárias, nossa intenção é aprimorar o conceito de mobilidade humana, com atenção sempre focada no bem-estar do passageiro que circula por nossas linhas e estações”, afirma Pierrini. O diretor-presidente do Metrô segue na mesma direção. “O público pode esperar uma empresa que vai aprimorar ainda mais o serviço prestado, com muita tecnologia e inovação. Esse caminho vem sendo pavimentado para que, a médio e longo prazo, traga incrementos visíveis aos passageiros, como novas linhas, portas de plataformas e monitoramento eletrônico moderno, além do aprimoramento das operações, com sistemas de controle de trens e processos de manutenção mais eficientes”, resume Pereira.

O Metrô rescindiu contratos de obras com atividades paradas ou em ritmo lento e abriu novas licitações

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MODAIS

VLI

APOSTA NA

INTEGRAÇÃO

DOS MODAIS

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A integração dos modais é um dos pontos em que a VLI pretende investir forte em suas operações nos próximos anos

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VLI é uma empresa de capital fechado, que tem como acionistas a Vale do Rio Doce (29,6%), o fundo de investimentos canadense Brookfield Asset Management (25,5%), o grupo japonês Mitsui Sumitomo Seguros (20%), o Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço da Caixa - FI-FGTS (15,9%), o BNDES (8%) e a Brasil Port Holdings (1%). A companhia é uma das maiores operadoras logísticas do Brasil, com soluções que integram portos, ferrovias e terminais, atendendo à demanda das principais empresas que movimentam a economia do país. No comando das ferrovias Norte Sul (FNS) e Centro-Atlântica (FCA), além de nove terminais integradores, a VLI une o carregamento e o descarregamento de produtos ao transporte ferroviário e à operação em terminais portuários situados em eixos estratégicos da costa brasileira, como Santos (SP), São

Luís (MA), Barra dos Coqueiros (SE), São Gonçalo do Amarante (CE) e Vitória (ES). Operando em cinco corredores logísticos e com uma frota de cerca de 800 locomotivas e 24 mil vagões, a empresa transporta as riquezas do Brasil por trajetos que passam pelas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. A companhia está presente em dez Estados brasileiros e no Distrito Federal, passando por cerca de 300 municípios e empregando aproximadamente 7.800 profissionais. Apenas em 2020, a VLI transportou por suas ferrovias cerca de 60 milhões de toneladas de cargas de diversos e importantes segmentos da economia nacional. Entre eles estão: construção civil, siderurgia e, em destaque, o agronegócio. Com a entrada em vigor do Novo Marco Regulatório das Ferrovias, permitindo a operação de trechos pela iniciativa privada, existirá naturalmente uma demanda para uma

A VLI oferece soluções que integram portos, ferrovias e terminais, e atendem as principais empresas do país

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Em 2020, a VLI transportou cerca de 60 milhões de toneladas de cargas de diversos segmentos da economia nacional por suas ferrovias

Nos últimos 10 anos, a VLI investiu R$ 9 bilhões, que viabilizaram a construção do sistema multimodal que a companhia opera hoje

maior integração dos modais, com novas rotas operacionais e possibilidades de negócio. Consultada pela nossa reportagem, a VLI afirmou que apoia o desenvolvimento da infraestrutura do Brasil e considera o modelo de autorização uma inovação positiva para dar celeridade a iniciativas relevantes, estimular a expansão da malha e ampliar a competitividade dos serviços ofertados aos clientes deste modal. Um dos pontos mais discutidos pelo setor em relação ao regime de autorizações é a integração dos futuros novos trechos à malha ferroviária já existente. Quanto a essa questão, a VLI afirma que os requerimentos apresentados até o momento tratam de projetos que se conectam à malha da companhia, controladora da Ferrovia Centro-Atlântica e do ramo norte da Ferrovia Norte-Sul. Segundo a empresa, a partir de agora,

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a equipe técnica da VLI aprofundará os estudos econômicos e de engenharia sobre cada um dos projetos, avaliando sua viabilidade econômico-financeira, benefícios aos clientes e geração de novas oportunidades de negócios para expansão de seu crescimento. Complementando o comunicado à nossa reportagem, a empresa revelou que está se estruturando para suprir o aumento das demandas do transporte ferroviário. “A VLI possui o compromisso de transformar a logística do Brasil e segue com essa ação em curso há mais de 10 anos. Nesse período, houve um ciclo de aportes que totalizaram R$ 9 bilhões, viabilizando a construção do sistema multimodal com que a companhia opera hoje. O objetivo da empresa é seguir oferecendo soluções logísticas e mais eficiência ao negócio, para contribuir ainda mais com os clientes de todos os setores que a companhia atende”.



MODAIS :: Portos

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SANTOS PROJETA NOVO TERMINAL Santos está com um projeto de um novo terminal para passageiros de cruzeiros que pretende revitalizar a região do Valongo | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 57


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A revitalização deve considerar a operação ferroviária, extremamente importante ao Porto de Santos; sua capacidade tende a ser aumentada

Governo Federal acaba de dar sinal verde para a temporada 2021/22 dos cruzeiros marítimos no Brasil. Eles voltarão a navegar no país entre novembro de 2021 e abril de 2022, gerando cerca de 35 mil empregos e injetando R$ 2,5 bilhões na economia nacional, número 11% maior do que o registrado na última temporada, 2019/20. A notícia também jogou luz sobre o projeto que está em análise na Santos Port Authority (SPA - autoridade portuária de Santos) para a construção de um novo terminal para passageiros de cruzeiro no canal da cidade. Há tempos, o terminal existente funciona de maneira não muito adequada: ele fica no terminal de carga, sem infraestrutura dedicada aos passageiros. Quando um navio de cruzeiro aporta, os de carga precisam esperar para descarregar. Resumindo: um atrapalha o outro. O Porto de Santos é o principal porto brasileiro e o maior complexo portuário da América Latina. Atraca nele mensalmente uma média de 420 navios de carga. Segundo a Concais - Terminal Marítimo de Passageiros de Santos - a previsão é de que seis navios de cruzeiros passem pelo Porto de Santos até meados de abril, percorrendo a costa brasileira. A expectativa é que 237 mil cruzeiristas embarquem em Santos e que a temporada chegue a injetar mais de R$ 132 milhões na economia da cidade e da região. A SPA reconhece a necessidade de ampliar a oferta de instalações portuárias destinadas a navios de cruzeiros, que dispõem atualmente de apenas um berço de atracação e um terminal dedicado de passageiros. Tanto é que elaborou o “Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto Organizado de Santos (PDZ do Porto Organizado de Santos - 2020)”. O projeto elegeu a região histórica do Valongo para a construção de um novo, moderno e dedicado terminal de movimentação de passageiros para navios de cruzeiro. REVITALIZANDO A ÁREA CENTRAL O Valongo é um bairro histórico da área central de Santos, onde se localiza a antiga estação inicial da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (o Armazém nº 2, hoje abandonado), além de um movimentado terminal de contêineres. Tudo isso em uma área de, aproximadamente, 344,5 mil metros quadrados.

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A proposta define que várias estruturas específicas para a operação do terminal deverão ser projetadas nessa área - e muitas outras no entorno. Uma delas compreende toda a infraestrutura aquaviária para atracação dos navios, com aumento da profundidade do cais, dos atuais 10,8 m para mais de 14 m. A implantação desse terminal de passageiros também contribuirá para estreitar a relação porto-cidade e vai unir forças com o projeto da prefeitura Alegra Centro, que prevê a revitalização da região histórica de Santos com melhorias no entorno do Santuário do Valongo e um complexo comercial e hoteleiro. O projeto do Novo Terminal também considera que a temporada de cruzeiros no Porto de Santos é sazonal (entre os meses de outubro/novembro e abril), prevendo para os demais meses do ano outras possibilidades de uso das futuras instalações. PRINCIPAIS DIRETRIZES Foi feito um edital de chamamento público de doação de projetos sem ônus à SPA, com diretrizes para a elaboração de uma proposta de terminal de passageiros. Segundo os órgãos de patrimônio cultural, o cais existente possui valor histórico e deverá ser modernizado mantendo sua identidade visual. Nele, encontram-se armazéns igualmente centenários, mas bastante deteriorados, cuja recuperação deve ser considerada no projeto, especificamente os de 1 a 4, além da Casa de Pedra, localizada entre os armazéns 3 e 4. A outra Casa de Pedra, localizada entre os armazéns 7 e 8, também deverá ser transferida e recuperada. Todas as propostas de reforma serão submetidas à avaliação dos órgãos de patrimônio histórico para deliberação e aprovação. A proposta deve considerar ainda a faixa de operação ferroviária no limite sul da área destinada à revitalização. Extremamente importante ao Porto de Santos, sua capacidade tende a ser aumentada. Soluções de contenção de ruídos e vibrações nos armazéns e na faixa ferroviária também devem ser incluídas no projeto, para tornar mais agradável o uso das edificações pelos passageiros e usuários. O chamamento público determinou que as empresas interessadas em cumprir as exigências e assumir essas reformas poderão


explorar comercialmente as novas estruturas por um período de 35 anos, com 3% da receita operacional bruta destinados ao porto. SITUAÇÃO ATUAL O chamamento público já se encerrou. Duas empresas, Terracom e MPE, formaram um consórcio interessado em assumir a construção do novo terminal de passageiros de cruzeiros dentro das diretrizes estabelecidas. Segundo a SPA, o consórcio encaminhou, no fim de novembro, uma proposta formal, detalhando as atividades que pretende realizar discriminadas num cronograma, com datas de conclusão de cada etapa e a data final para a entrega dos trabalhos. Agora, por meio de um Termo de Doação, a SPA formalizará a entrega do planejamento para a área técnica da SPA, que irá avaliar e realizar estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental – EVTEA. “Depois disso, a SPA poderá ou não utilizar os dados integral ou parcialmente, de acordo com seu exclusivo juízo de conveniência e oportunidade para composição de seus próprios estudos, com o objetivo de subsidiar a modelagem do terminal de passageiros. O material, poderá, ainda, ser utilizado nos estudos de desestatização do Porto. Para essa análise, não há prazos determinados”, informou a autoridade portuária. Com tantos estudos e análises a serem feitos, a previsão não oficial é que o processo todo ainda leve cinco anos para ser concretizado. Por ora, os passageiros de cruzeiros que chegam e partem de Santos vão ter de esperar pelo novo terminal. Mas não deixa de ser uma boa notícia para turistas, navios de cruzeiro e modais envolvidos - e, claro, para a cidade de Santos.

O QUE DIZ O PREFEITO Ampliar os investimentos na geração de empregos e atrair moradias à Região Central estão entre as prioridades defendidas pelo novo prefeito de Santos, Rogério Santos (PSDB, foto), que assumiu o cargo em janeiro de 2021. O novo terminal de passageiros de cruzeiros que pretende revitalizar a região do Valongo, portanto, ganha uma importância vital em seu plano de governo. “A transferência do Concais - Terminal Marítimo de Passageiros Giusfredo Santini é um projeto conduzido pela Autoridade Portuária, que consta no PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento) do Porto de Santos. Consiste em ação muito importante para o planejamento urbano da Cidade, colaborando para o desenvolvimento econômico e turístico do Centro Histórico. A mudança de local coloca à disposição de passageiros e tripulantes toda a infraestrutura dos bairros centrais de Santos (entre eles o Valongo), que oferecem opções de gastronomia, hotelaria, turismo, comércio e serviços. Além disso, a ação, com apoio da Prefeitura de Santos na oferta de apoio técnico ao projeto pela Autoridade Portuária, ajuda a impulsionar os negócios em uma das áreas mais importantes da cidade. Ela abriga dois teatros históricos, o Coliseu e o Guarany; a Bolsa do Café; o Museu Pelé; eventos variados; e já serviu de cenário para inúmeras séries de tevê, cinema, comerciais e documentários”, disse Santos com exclusividade à Sobretrilhos.

A antiga estação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí faz parte do projeto de revitalização do Valongo

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MODAIS :: portos

PORTOS BRASILEIROS

NÃO DEVEM SER ARMAZÉM DE

CARGAS

O especialista em infraestrutura, logística e comércio exterior Paulo Cesar Rocha, defende a modernização e desburocratização para que os portos brasileiros deixem de ser um armazém de cargas

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Segundo a projeção do Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLP), até o ano de 2042 a demanda para os portos brasileiros tende a crescer 92%. Para que esse crescimento ocorra de forma ordenada, é preciso que a estrutura e administração portuária sejam aprimoradas no país. É o que afirma o especialista em infraestrutura, logística e comércio exterior, com mais de 50 anos de experiência, Paulo César Rocha. Para ele, os portos brasileiros atualmente funcionam como armazém de cargas. Existem 36 Portos Públicos organizados no Brasil. Nessa categoria, encontram-se os portos com administração exercida pela União, no caso das Companhias Docas, ou delegada a municípios, estados ou consórcios públicos. A área destes portos é delimitada por ato do Poder Executivo. Dados do Banco Mundial mostram que um contêiner leva uma média de 13 dias para ser exportado do Brasil. Desses 13 dias, seis são devidos aos trâmites burocráticos. “Atualmente, no Brasil, as cargas possuem um período de armazenagem sem custo para trânsito destinado a outras áreas alfandegadas, justamente para suprir o tempo gasto com burocracias. Porém, esse tempo na maioria das vezes é ultrapassado, gerando um custo de armazenagem não previsto. Essa situação prejudica o lucro da empresa envolvida na importação ou exportação”, explica Rocha. Segundo um levantamento da Confederação Nacional de Indústria (CNI), o custo adicional relativo aos processos de armazenagem nos portos brasileiros chega a R$ 4,3 bilhões por ano. “Essa realidade é um problema quando se trata de comércio exterior, pois prejudica a competitividade portuária, fator importante para o desenvolvimento econômico”, afirma o especialista. “Para garantir a manipulação eficiente das cargas destinadas ao transporte, o que depende muito do trabalho da logística portuária, os portos brasileiros não deveriam funcionar como armazém de cargas. São necessárias áreas retroportuárias e acesso ordenado, para garantir velocidade no embarque ou desembarque de cargas. De forma geral, a logística portuária se encarrega de transportar a maior carga no menor espaço temporal e custo possível. Considerando

que o Brasil possui uma economia baseada na exportação, se esse processo não é bem realizado, o desenvolvimento é prejudicado”, afirma Rocha. LOGÍSTICA PORTUÁRIA O especialista explica que o arranjo da logística portuária subdivide-se em três categorias: Complexo Fixo, Administração e Operação. Rocha defende aprofundamento da análise de cada uma delas para melhorar o sistema portuário de modo geral. “Sem essa avaliação e alteração imediata em alguns pontos, o Brasil ficará ainda mais para trás em relação a outros países do mundo”, afirma. A categoria complexo fixo compreende todas as estruturas para funcionamento da logística portuária. Inclui instalações como terminais portuários, cais, armazéns, áreas retroportuárias e todo o maquinário envolvido. Considerando a finalidade desse setor, o complexo fixo é parte essencial para que o manuseio da carga seja ótimo. A categoria administração é o ponto chave da logística portuária. Refere-se aos órgãos encarregados da gestão dos portos. “Em conjunto, eles gerem desde o que diz respeito ao operador portuário até a modernização dos sistemas presentes no porto. Pode-se citar como exemplo as áreas destinadas à docagem, também conhecidas como marinas. Elas desempenham variadas funções, como carregamento/descarregamento, abrigo e reparo de embarcações”, explica o especialista. Paulo Cesar Rocha destaca a categoria de operação como uma das primordiais para melhoramento do sistema portuário brasileiro. “Nesta categoria ocorre a execução da logística programada previamente. Compreendem-se como peças desse setor, por exemplo, os operadores portuários e os rebocadores. Os operadores trabalham na manipulação de maquinários e cargas. Enquanto isso, os rebocadores são barcos projetados para auxiliarem as manobras de embarcações”, pondera. Segundo Rocha, as ferrovias podem desafogar o gargalo das operações portuárias atuais porque transportam mais tonelagem por vagão e têm vias fixas para rodar, possibilitando a mecanização da descarga e carga dos vagões. “Cada vagão substitui em média | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 61


a dar velocidade no carregamento/descarregamento de trens e embarcações, garantindo assim uma maior eficiência”.

Paulo Cesar Rocha recomenda que os operadores de Portos e Ferrovias devam chegar a um bom termo pela maior integração entre os dois modais em pátios próprios e mecanizados, de forma a dar velocidade e uma maior eficiência

Os Portos que têm prevista integração com projetos novos da malha ferroviária terão expressivo aumento de demanda

quatro caminhões e os trens podem ser formados por dezenas de vagões. As ferrovias contribuem para a integração entre modais porque percursos pequenos podem ser feitos por caminhões, médios por trens e longos por embarcações”, lembra. PORTOS À DERIVA Paulo Cesar Rocha pondera que ao longo dos anos os portos brasileiros passaram a operar como uma espécie de armazém de cargas, o que diminui sua agilidade de modo geral. “Entendida a complexa estrutura de um sistema logístico portuário, é importante observar a conexão entre as partes citadas. Como em um tripé, se uma das categorias estiver fragilizada, as restantes não funcionarão bem. Não se pode pensar, por exemplo, em um ótimo serviço de operação com um complexo fixo deteriorado e uma administração insuficiente”, afirma. O especialista acredita que o sistema portuário brasileiro é burocrático do ponto de vista de logística. “Isso se deve à lentidão dos processos de emissão documentária, além de redundância em vários deles”, explica o especialista. Ele destaca também que os acessos, como os ferroviários, rodoviários e por meio de dutos, são extremamente importantes para garantir a agilidade dos Portos. O especialista recomenda ainda que os operadores dos Portos e os das Ferrovias devam chegar a um bom termo. “A integração entre os dois modais de carga deve ser feita em pátios próprios e mecanizados, de forma

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OPORTUNIDADES À VISTA A entrada em vigor do novo marco regulatório das ferrovias deve atrair outros investidores da iniciativa privada para a construção de novas linhas e revitalizar as que estão paradas. Rocha afirma que já estão protocolados diversos pedidos de autorizações de novos ramais ferroviários, alguns ligando pontos de produção a ferrovias existentes e outros de acesso a Portos. “Estes pedidos devem se multiplicar nos próximos meses. O impacto nos Portos será o de aumento de carga transportada por via ferroviária, o que certamente irá fazer com que os Portos devam investir tanto em melhorias nos ancoradouros quanto em pátios ferroviários para atender o aumento da demanda”, adverte. Outro ponto crucial nesse contexto é o crescimento do agronegócio e os efeitos na logística da globalização, demandando dos portos uma maior rapidez e eficiência dos processos. “Considero que o impacto no aumento da demanda do agronegócio nos Portos se dará incialmente nos Portos do Pará (Barcarena), Itaqui (Maranhão), Santos e Paranaguá. Depois da conclusão dos projetos de ampliação da malha ferroviária, entrarão em cena Alcantara (Maranhão), Pecem (Ceará) e Suape (Pernambuco). Resumindo, os Portos que têm prevista integração com projetos novos da malha ferroviária, quer sejam para novos trajetos como para a modernização de trajetos existentes, terão expressivo aumento de demanda”, afirma o especialista. BONS EXEMPLOS DO EXTERIOR Segundo ranking da Conferência das Nações Unidas de 2019, o porto de Xangai é o mais bem conectado do mundo. Durante nove anos, o porto chinês, considerado um gigante da logística, ocupou o trono no ranking de movimentação de carga por contêineres com maiores volumes anuais. “Portos de contêineres logisticamente semelhantes ao de Xangai são indispensáveis para a minimização de custos comerciais e promoção de um desenvolvimento sustentável”, defende Rocha.


Outro porto de referência, segundo o especialista, é o Porto de Roterdã, considerado o principal porto europeu, no qual cinco refinarias e algumas indústrias químicas construíram complexos industriais no próprio porto para facilitar a exportação. “Além disso, o porto holandês é conhecido por possuir um sistema totalmente automatizado, com cargas controladas em tempo real. Essa característica otimiza muito os processos e evita perdas, tornando o porto de Roterdã referência em logística portuária. No nosso País são poucos os Portos que possuem zonas industriais ou comerciais anexas, muito embora exista legislação que as ampare”. Nos EUA, o porto de Oakland também pode ser uma referência ao governo brasileiro. “O porto de Oakland, nos Estados Unidos, em busca da atração de mais cargas conteinerizadas, apostou seu investimento em formas de reduzir os custos de seus clientes. Localizada em um local de mercado disputado, destinou a investimento US$ 1 bilhão para aumento de produtividade”, explica o especialista.

O PAPEL DO ESTADO No passado, o Brasil se desenvolveu primeiro acompanhando os portos, quer marítimos quer fluviais, depois por uma extensa malha ferroviária, e depois optou pelas rodovias. Ao se desenvolver por rodovias, toda a infraestrutura foi bancada pelo Estado, ao contrário dos demais modais, o que ocasionou uma concorrência desleal entre eles e a sua decadência. Agora, com a crise que aflige o Estado, o poder público se encontra com pouca capacidade de investimento, porém ainda opta por destinar prioritariamente recursos orçamentários para rodovias. Para Paulo Cesar Rocha, o Estado deve pensar também em investir em ferrovias, hidrovias e portos. “As ferrovias vão promover desenvolvimento e proteção ao meio ambiente, assim merecem também ter recursos orçamentários. Também deve se estar atento ao pedido de valores a título de outorga, que não deveriam existir no caso de transportes e servem apenas para tapar buracos orçamentários, e na realidade são uma antecipação de pagamento de taxas pelos usuários ao Governo”, defende.

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Mobilidade Urbana

DESAFIOS E TENDÊNCIAS

DA LOCOMOÇÃO

NAS CIDADES

Passamos por um período nunca vivido na História, no qual todas as pessoas em todos os países precisaram se isolar. A pandemia provocada pela Covid-19 jogou luz em um problema crônico no mundo todo: é necessário repensar a mobilidade urbana

Entrevista com Emiliano Stanislau Affonso Neto

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mundo passou – e passa – por mudanças que nunca em sua história foram vistas. As transformações no cotidiano das pessoas são de constante renovação. Em muitas áreas, a pandemia do novo coronavírus acelerou avanços previstos para décadas. Com relação à mobilidade urbana, a necessidade de haver isolamento social por quase dois anos mudou o foco, visando problemas e soluções de outra forma. Mas aos poucos o mundo volta ao normal, assim como as ruas e avenidas dos grandes centros. Com isso, os problemas relativos ao ir e vir, que ficaram em segundo plano, voltam à tona. O que fazer com esse “novo normal”? Quais os desafios e tendências da mobilidade urbana daqui para frente? Sem esquecer o panorama retrospectivo, devemos ver o que está por vir, aprender com os bons e maus exemplos e melhorar o que pode (e deve) ser melhorado. Nesses mais de 20 meses de pandemia, em razão do maior número de pessoas em casa, melhoraram trânsito, transporte público, circulação de pessoas, carros, ônibus e motos. O

volume de passageiros em trens e metrôs também diminuiu. Enfim, chegamos perto do que seria o ideal, mas com isso vimos que muito precisa ser mudado. Falar de mobilidade urbana é falar de um assunto que vive em constante evolução e que coloca não só soluções, mas pessoas, no centro dessa discussão. É um tema muito abrangente, que abarca diversos debates. NEM TUDO SÃO FLORES Com a vida voltando à normalidade, claro, o caos começa a reaparecer e a mobilidade urbana revê seus antigos problemas. Percebemos que “nem tudo são flores” no dia a dia das pessoas. O trânsito recomeça a congestionar, o transporte público volta a ficar parado, atrasado e cheio e, claro, a qualidade do ar, que também tinha melhorado, volta a ser como era antes. Ou seja, se há uma lição que podemos tirar é que muito ainda precisa ser feito. Para o arquiteto e urbanista Celso Aparecido Sampaio, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade

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A prioridade para a circulação de veículos relegou a segundo plano o suporte para pedestres Viviane Manzione Rubio, Mackenzie

Presbiteriana Mackenzie e doutorando pela mesma instituição, cuidar das nossas cidades, da mobilidade urbana e do tratamento adequado dos diversos modais é fator essencial a ser explorado. Segundo ele, a diminuição da emissão de agentes poluentes é fundamental, com diminuição da frota de veículos individuais, substituição da matriz de energia (o petróleo) e a criação de veículos movidos a energia solar e outros processos. ”São necessários a ampliação dos meios e da frota de transporte coletivo; a melhoria e a ampliação da rede cicloviária; alargamentos, nivelamentos e recuperação de calçadas, associados à iluminação pública adequada. É importante tratar os meios de deslocamento na cidade, equilibrando investimentos conforme demandas, prioridades e desequilíbrios regionais, assim como tratar de forma adequada a distribuição da infraestrutura urbana, como saúde, educação, lazer e trabalho, fazendo assim com que as pessoas precisem se deslocar menos para ver atendidas suas necessidades cotidianas que ampliam o conceito do morar”, defende. Mas mobilidade não é só transporte ou melhorias nas principais vias de trânsito. Há toda uma questão com relação a detalhes que muitas vezes passam ao largo de projetos urbanos. Por exemplo, o conceito de passagens (vielas, ruas pequenas, escadarias, passarelas etc.), que geralmente são relegadas. Para Luiza de Andrada e Silva, diretora-executiva do Instituto Cidade em Movimento (IVM), a mobilidade urbana é uma das dimensões da vida na cidade e envolve vários outros fatores além do transporte. Apesar da crescente consciência e debate em torno do tema das calçadas, existem outros aspectos da mobilidade no espaço público que merecem mais atenção da esfera política e da sociedade civil. O Instituto Cidade em Movimento – Institut pour la Ville en Mouvement, IVM, é uma associação sem fins lucrativos criada na França, em 2000, e conta com o apoio de patrocinadores públicos e privados. Seu objetivo é acompanhar as transformações dos centros urbanos em todo o mundo e contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de mobilidade, que combine consciência e prazer na movimentação pelas cidades.

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De acordo com sua gestora, os pequenos espaços da mobilidade (escadarias, passarelas, túneis, vielas, rampas), as chamadas “passagens”, estão entre esses articuladores essenciais da mobilidade. Apesar de terem surgido como atalhos, facilitadores e elos de ligação entre vias grandes e pequenas ou entre modais, muitas vezes representam apenas perigo e desconforto. As passarelas são um bom exemplo. Exigem do pedestre um caminho mais longo, com grande esforço físico de subida e descida de escadas, e ainda o expõem à violência, quando isolado do movimento e da vigilância da rua. “O IVM realizou extensa pesquisa sobre as passagens, por mais de 4 anos, em 20 países. Esse trabalho resultou em publicações e exposições chamando a atenção para a relevância do tema. É preciso identificar o que trava ou deteriora os trajetos da vida cotidiana: reconhecer as barreiras herdadas ou emergentes, abrir acessos a territórios segregados e consertar o que causa danos, para só então reivindicar o direito de passagem, estimulando projetos e inovações para esses pequenos espaços da mobilidade serem mais funcionais e portadores de urbanidade.” A arquiteta e urbanista Viviane Manzione Rubio, também professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, concorda com Luiza e vai além. “Tomemos a cidade de São Paulo como exemplo. Nela, foi dada ênfase tanto para a organização da ocupação do território quanto para a solução dos problemas relacionados ao tráfego, o que impulsionou desde o início do século 19 a implantação massiva de infraestruturas viárias. Elas aca-


baram se sobrepondo e se concentrando em parte da cidade, com o desequilíbrio do direito à mobilidade entre os cidadãos. Não houve prioridade ou preocupação com o desenho urbano, e a prioridade para a circulação de veículos relegou a segundo plano o suporte para pedestres.” MAS E OS TRANSPORTES? Mobilidade urbana é também ir e vir pelas cidades através dos meios de transporte. De acordo com o engenheiro Emiliano Stanislau Affonso Neto, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP), não se consegue chegar a uma boa mobilidade urbana somente pensando em transporte individual. “É uma questão física. Se analisarmos o Brasil nos últimos 20 anos, a frota de automóveis praticamente dobrou, e nossas vias estão entrando em colapso. Ou seja, a solução é investir numa mobilidade que abranja mais meios”, defende. Segundo ele, uma aglomeração urbana tão grande como a região metropolitana de São Paulo precisa ter linhas de alta capacidade. O metrô e o trem têm de ser eficientes. Os corredores precisam estar em boas condições. Ainda, é fundamental promover a facilidade de integração entre todos os modais. “O Poder Público precisa mudar sua postura e investir onde é importante. Também estamos passando por um momento de mudanças climáticas pelo excesso de poluição, e a melhoria dessa situação passa por implementar o uso de transportes mais eficientes, alimentados por energias melhores e mais limpas. O momento para se investir na mobilidade é agora. Isso dará melhor qualidade

de vida e saúde para a população, além de abrir caminho para um futuro melhor para as próximas gerações”, enfatiza. Celso Sampaio concorda com Affonso Neto: o caminho para a solução do problema da mobilidade passa por políticas de superação das desigualdades e de sustentabilidade, como ampliação de transporte público, controle de emissões de gases poluentes, ampliação da malha cicloviária, melhoria e remodelação de calçadas, ampliação das áreas permeáveis da urbe e investimento na construção de moradias e postos de trabalho mais distribuídos pelas diversas regiões. Sua colega, Viviane, corrobora essa opinião. “A mobilidade na cidade de São Paulo é um sistema complexo, que acontece sem suporte adequado. Mesmo as vias abertas ao longo dos anos são inadequadas à circulação tanto de veículos quanto de pedestres. Esta cidade é múltipla, com inúmeros contrastes, onde a urbanização de certas localidades é considerada consolidada, enquanto outras possuem inúmeras carências e alta vulnerabilidade social. É preciso que as cidades ofereçam um transporte público eficiente e integrado, que inclua todos os modais, apresentando inúmeras possibilidades de escolha para os deslocamentos no desenvolvimento das atividades nas cidades.” MELHORIAS SÃO NECESSÁRIAS SEMPRE. ISSO É BOM PARA A ECONOMIA Affonso Neto vai muito além. Para ele, melhorar a questão da mobilidade urbana no Brasil é um conjunto de ações que vai desde a questão do desenvolvimento das cidades até planejamento a longo prazo e planos diretores mais bem projetados, entre outros fatores. “Isso tudo tem de andar junto. A maioria das reclamações de nossos governantes se refere à falta de recursos. Quando olhamos o mundo como um todo, esses recursos vêm da própria melhoria que a mobilidade traz para a economia. Quando você fala de um plano diretor de um município, por exemplo, por que não adensar a ocupação mais perto de uma estação de metrô, de um terminal ou de uma linha estruturada? Na hora em que se faz um projeto, que se pensa no crescimento, poderia se pensar em

Se analisarmos o Brasil nos últimos 20 anos, a frota de automóveis praticamente dobrou e nossas vias estão entrando em colapso Emiliano Stanislau Affonso Neto, do SEESP

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criar essas novas centralidades. Isso melhora a questão das distâncias que precisam ser percorridas entre pontos extremos de uma cidade e cria alternativas econômicas e de melhoria da mobilidade urbana”, defende. Viviane acredita que o equilíbrio do direito à cidade pelo uso do transporte coletivo pode reverter a individualização e a elitização do usufruto das benesses da vida urbana. “Em São Paulo, segundo dados da Pesquisa Origem e Destino, realizada pelo Metrô em 2017, um terço da população anda a pé, pois não tem condições financeiras de usar o transporte público. Ou o lugar onde vive não oferece escolha ou atendimento por transporte público. Os grandes deslocamentos geram reflexos na saúde individual, quer pelo aumento das doenças, quer no custo público da saúde. Portanto, é preciso equilibrar a oferta de transporte e o uso do solo na cidade.” “Desde 2001, com a edição do Estatuto da Cidade - Lei Federal 10.257/2001, o plano diretor é compromisso obrigatório das cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes. Ele não impõe, mas propõe regras gerais de organização do território urbano, e indica a direção que a cidade deve seguir, além dos planos complementares (como de habitação, mobilidade e ambiental, entre outros) que definem as políticas específicas. Inclusive, o compromisso com planos complementares deveria fazer os municípios acessarem os recursos disponíveis nos fundos públicos federais específicos, custeando as ações a serem geridas por Estados e municípios conforme as necessidades de cada Estado da federação”, informa Celso Sampaio. Mas ele explica que infelizmente essas políticas sofreram interrupções nos últimos anos nas três instâncias de governo. “A falta de interesse na participação mais efetiva da população vem fortalecendo políticas centrais que não investem no público de mais baixa renda. Enquanto isso, nos municípios, pautas que atendem demandas do mercado financeiro avançam. Em São Paulo, por exemplo, vemos muitas torres administrativas e habitacionais subindo no Tatuapé; a avenida Rebouças e suas imediações sendo reconstruídas; enquanto o bolsão de pobreza cresce e a desigualdade aumenta.”

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TUDO COMEÇA COM UMA PEQUENA DISTÂNCIA E A MELHOR FORMA DE PERCORRÊ-LA Mas boas soluções existem. Num futuro próximo, entre dez e 20 anos, muita coisa ainda pode ser feita. Por exemplo, o estímulo ao uso de transportes alternativos, como bicicletas, patinetes e até carros elétricos, que já rodam por todo o País. Os carros autônomos, já existentes em diversos países, logo chegam por aqui, melhorando consideravelmente a mobilidade urbana e a melhor qualidade de vida. Isso incrementa a micromobilidade, definida pelas primeiras distâncias percorridas até se chegar a um transporte maior. Luiza, do IVM, diz que ainda não estamos preparados para a modernidade, pois em nenhuma cidade do País temos as condições para a disseminação desses avanços: estrutura física adequada de calçadas para pedestres e ruas para carros; legislação e regulamentação; infraestrutura para meios elétricos; gestão segura e consolidada de dados; democratização de acesso; e poder econômico da maioria da população. Por outro lado, acrescenta, algumas iniciativas são tão necessárias que não vale a pena esperar pelas condições ideais. É o caso das ciclovias, por exemplo. Em muitas cidades brasileiras, elas não atendem todos os protocolos técnicos. Mas sua simples instalação deflagrou uma série de mudanças de paradigmas, o que há de mais valioso em termos de transformação da mobilidade. É quando os cidadãos decidem experimentar novas formas, caminhos, horários etc., e vivem a cidade de uma nova maneira. Outras iniciativas, como patinetes e bicicletas compartilhados também aconteceram antes (e apesar) das condições físicas e institucionais das cidades. “Sou favorável a esse tipo de postura: testar em campo, fazer pilotos, avaliar no terreno, com os usuários. Vale lembrar que ainda há muito espaço para experimentação entre o percurso inicial e final de todos os deslocamentos. E quero destacar que nem sempre a melhoria da micromobilidade depende de veículos. As políticas públicas e as startups de mobilidade ainda estão nos devendo muita inovação para fortalecer e estimular o pedestrianismo – nosso modal mais sustentável e inovador”, afirma.


Para Affonso Neto, a micromobilidade é algo que está se consolidando no mundo todo. Estudos no exterior mostram que os três primeiros quilômetros devem ser feitos de forma alternativa, com bicicletas e patinetes, para avançar até onde se pode pegar um transporte público. “Para que isso se efetive por aqui, precisamos, por exemplo, das ciclovias. Também precisamos de calçadas bem cuidadas. Eu vejo que falta muito disso aqui. Em São Paulo, foram feitos mais de 500 quilômetros de ciclovias. Mas qual o plano para elas? O que o cidadão faz para sair da sua casa e usar essa micromobilidade? Ela tem de ser segura. Tem de haver um trabalho melhor, mais ajustado, para a população saber onde e como usar isso. E nos locais onde isso faltar, ser efetivamente implantado.” CADA UM TEM SUA PARTE NA SOLUÇÃO O caminho para a melhoria da mobilidade urbana está na vontade do poder público em encontrar alternativas e na iniciativa privada, que pode ver possíveis focos de investimento com bons resultados para a população aliados a retorno financeiro. Mas também está na participação efetiva de cada um, no bom senso da população em entender que o bem comum é mais importante que o bem individual.

Como cada pessoa pode colaborar para melhorar a mobilidade urbana na sua cidade? Por exemplo, o que as pessoas ganham ao trocar o carro por outro meio de transporte? Ou como fazer um planejamento com bons resultados não somente em regiões centrais, mas nas periferias? Para Celso Aparecido Sampaio, do Mackenzie, colocar a responsabilidade nas mãos das pessoas acaba sendo uma forma de culpabilizar ou criminalizar os menos favorecidos e esclarecidos que lutam pelo legítimo direito à cidade e a sua infraestrutura adequada, como os movimentos sociais. “Lembrando uma frase clássica, para ser universal é preciso começar pela nossa aldeia, procurando descobrir o que podemos fazer junto aos nossos vizinhos, como limpar uma praça, melhorar o caminho para se chegar às escolas etc. Mas sem recursos públicos, sejam financeiros, técnicos ou de tecnologias sociais, a população não dará conta sozinha. É importante a presença do Estado para a garantia da legitimação dos direitos. A solução para a mobilidade urbana é complexa. Sem enfrentar a raiz do problema não vamos encontrar alternativas para uma cidade tão díspar. Temos que investir em políticas, recursos e participação social”, defende o urbanista.

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CIDADES-REFERÊNCIA EM MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL • • • • •

Amsterdã (Holanda) Copenhague (Dinamarca) Berlim (Alemanha) Zurique (Suíça) Fortaleza (Brasil)

PAÍSES QUE MELHOR PENSAM A MOBILIDADE URBANA • • • • •

Holanda França Alemanha Estados Unidos Dinamarca

CIDADES COM MELHOR MOBILIDADE URBANA NO BRASIL • • • • •

São Paulo (SP) Brasília (DF) Rio de Janeiro (RJ) Curitiba (PR) Belo Horizonte (MG)

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Viviane Manzione Rubio, também do Mackenzie, diz que o planejamento da cidade deve ter como objetivo principal a ocupação e o uso do solo equilibrado, com oferta de transporte público de qualidade e integrado. Só assim as cidades garantem a seus habitantes a mobilidade adequada. “A participação popular é fundamental para a melhoria do sistema de mobilidade. Sem uso, o transporte público sempre ficará em segundo plano. Além disso, é preciso usar a cidade e cobrar do poder público e dos parlamentares o planejamento e a qualificação do espaço urbano”, fala a professora. Já Emiliano Stanislau Affonso Neto, do SEESP, acredita que a participação da sociedade civil como um todo é fundamental para criar uma boa mobilidade, sua falta afeta a todos. “Se queremos que isso seja modificado, devemos sair do conforto de nossas casas e dar um pouco das nossas horas de lazer para fazer com que os governos se mexam e mudem a situação atual. Temos no país alguns bons exemplos em que a população trabalhou por melhorias. É preciso conhecer as necessidades locais, focar e se mobilizar. O que pode parecer uma melhoria local com certeza trará benefícios para toda uma cidade”, conclui. Pensar as cidades e a mobilidade urbana não é conceito estanque, que se extingue em si. Ele vai além. Está no dia a dia das pessoas, na melhor qualidade de vida, no direito de ir e vir com rapidez e segurança. Cada vez mais a sociedade civil, em todas as suas frentes, se mobiliza em busca de soluções, seja numa comunidade, seja na cidade como um todo. Se há algumas décadas governos e população pensavam que sinônimo de crescimento era construir estradas, isso mudou. Hoje, sinônimo de crescimento é pensar no todo, na melhoria de um sistema de transportes urbanos e de alternativas às estradas de rodagem, com mais linhas de trens de carga e de passageiros, por exemplo. Esse debate não se encerra em um único assunto. Muito precisa ser discutido. Muitos precisam ser ouvidos. Há sim espaço para debate e para a procura de melhores caminhos. Os desafios são muitos, mas a melhoria da mobilidade urbana não é um assunto que se encerra. Está em renovação constante. Movendo-se.



Entrevista

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27 SEMANA A

DE TECNOLOGIA METROFERROVIÁRIA DEBATEU O FUTURO DO SETOR C om o tema “Trilhos para um futuro sustentável”, evento da AEAMESP mostrou que planejamento e desenvolvimento continuado são cruciais para o setor, diz a presidente da associação, Silvia Cristina Silva, em entrevista à Sobretrilhos

R

econhecida como um dos mais importantes congressos técnicos do setor no Brasil, a 27ª edição da Semana de Tecnologia Metroferroviária (STMF) aconteceu entre 14 e 17 de setembro. Promovida pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (AEAMESP), teve como tema “Trilhos para um futuro sustentável”, colocando em pauta a realidade atual e as expectativas para o setor. A STMF é um espaço de relevância para debater assuntos importantes para a área. Segundo a presidente da AEAMESP, Silvia Cristina Silva, os temas abordados trouxeram a conscientização de que a sustentabilidade dos negócios é fundamental para seu desenvolvimento e continuidade. “A presença de grandes empresas do setor e todo o público que sempre temos são os maiores atestados dessa relevância”, afirma. Nesta entrevista à Revista Sobretrilhos, Silvia faz um balanço do que foi a edição de 2021 da Semana de Tecnologia Metroferroviária, fala da parceria com

o Metrô de São Paulo desde a primeira edição, que tem sido fundamental para sua realização, e das demais empresas e entidades parceiras. Ela também adianta algumas questões do evento do ano que vem, a 28ª edição, que já está sendo preparada em formato híbrido, presencialmente, mas conservando atividades online. De acordo com a presidente da AEAMESP, A próxima STMF terá muitas novidades. Veja o que ela conta.

Pelo segundo ano consecutivo, a Semana de Tecnologia Metroferroviária (STMF) aconteceu virtualmente. Como a senhora analisa o formato? Quais os prós e contras? Silvia Cristina Silva - É o formato que proporcionou que continuássemos fazendo a consagrada Semana de Tecnologia Metroferroviária com segurança para nosso público e parceiros, trazendo conteúdo técnico de qualidade e mantendo a sequência de 27 anos consecutivos em sua realização. A maior vantagem obviamente foi a ininterrupção do evento devido à pandemia

e todo o aprendizado que tivemos com a migração para o formato digital. Entretanto, em eventos online, não podemos estar cara a cara com as pessoas, apertar as mãos e ter um contato mais próximo com os participantes e colaboradores.

Que balanço faz do evento como um todo? O evento deste ano atingiu nossas expectativas, tanto em termos de volume e diversidade de conteúdo quanto pela participação do setor metroferroviário. Em 2021, a 27ª STMF contou com mais de cem trabalhos técnicos inscritos no Prêmio de Tecnologia Metroferroviária, realizado pela ANPTrilhos e CBTU. O concurso contempla trabalhos em três categorias, e em cada uma delas são definidos cinco finalistas e um vencedor, que recebe um prêmio em dinheiro. Tivemos mais de 80 palestrantes nacionais e internacionais, agrupamentos temáticos para que o público concentrasse sua atenção no que mais lhe atraísse e, por fim, mais de 80 horas de conteúdo técnico altamente relevante. Todo esse conteúdo está | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 73


disponível em nossas redes sociais para ser acessado sempre que o público desejar. As informações estão no site da Associação 21.

Apesar de ainda online, nesta edição houve maior volume de apresentações e debates, com assuntos mais aprofundados. Acredita que isso foi um diferencial para o evento? Certamente. Há um grande planejamento para a STMF, que começa muito antes do evento em si. Nosso público sabe que sempre buscamos trazer novidades e tendências do setor. Por isso, a Semana é uma excelente fonte de atualização profissional e pensamento crítico. Os painéis trazem temas relevantes abordados por seus expoentes, o que garante a enorme relevância e interesse. Neste ano a AEAMESP completou 31 anos (celebrados durante o evento, juntamente com o aniversário do início das operações do Metrô de São Paulo, em 1974). Qual foi a importância de essas datas acontecerem justamente durante o evento? Como analisa esses anos de atuação da associação? O Metrô de São Paulo sempre foi um grande apoiador de todas as atividades da AEAMESP. A fundação da Associação no 16º aniversário de operação desse transporte na capital paulista não foi uma coincidência. Naquele momento, os engenheiros e arquitetos do Metrô-SP tinham um volume de conteúdo técnico muito grande para compartilhar. Daí nasceu a AEAMESP dentro do Metrô, abrindo a filiação mais tarde para engenheiros e arquitetos de outras empresas, devidamente cadastrados em seus Conselhos. Podermos nos reunir mais uma vez foi uma grata satisfação. O presidente do Metrô, Silvani Pereira, esteve conosco em todos os eventos de sua gestão e nos honrou novamente com sua participação. Avaliamos todo o histórico de atuação de forma bastante positiva, com muito aprendizado, compartilhamento do conhecimento técnico e fortalecimento dos profissionais de engenharia e arquitetura da área. 74 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

Com esta, são 27 STMFs. Qual a importância da Semana para o segmento? Sem sombra de dúvida, é um evento de grande relevância para a área. Há a apresentação de todo um conteúdo técnico, além das discussões que fomentam o pensamento crítico e apontam direções e perspectivas para o futuro, sem deixar de trazer toda a experiência passada. A presença de grandes empresas do setor e do público massivo que sempre temos é o maior atestado desta relevância. A STMF tem como ponto fundamental trazer à tona debates importantes sobre transportes de cargas e de passageiros. Este ano, o tema central (“Trilhos para um futuro sustentável”) procurou lançar um olhar para o futuro. Que expectativas essas atividades mapeiam no setor para os próximos anos? Há a conscientização de que a sustentabilidade dos negócios é fundamental para o seu desenvolvimento e continuidade. As organizações precisam buscar mecanismos de redução de custos, principalmente através do aumento da eficiência das operações. Ao mesmo tempo, devem buscar aumento de receitas com a realização de novos tipos de negócios e formas de financiamento para poderem expandir. “O setor metroferroviário vem, ao longo dos anos, se adaptando às mudanças, crescendo e evoluindo na medida do possível. Estamos vivenciando um tempo de aprendizados sobre como viver esse chamado ‘novo normal’. Temos esperança de que o mundo seja melhor, que nosso futuro seja ainda mais sustentável. Queremos que todos possam contar ainda mais com o transporte sobre trilhos”. Esse foi o balanço da senhora sobre o evento. A partir dele, o que podemos esperar? A sociedade aprendeu muito até o momento com toda esta situação. Muitas mudanças já ocorreram e tantas outras estão por vir. O transporte sobre trilhos

não pode ficar parado e segue seu caminho para viabilizar o desenvolvimento sustentável dos negócios. Tanto o transporte de passageiros quanto o de cargas foram muito impactados, mas devido a serem tão necessários estão se reerguendo e reocupando seu espaço. A demanda está voltando, e tenho a certeza de que não atuaremos como antes. Todos estão muito mais conscientes de que devemos fazer nosso melhor. Se cada um fizer sua parte, caminharemos na direção correta. Vocês já estão preparando a edição de 2022? Quando acontecerá? Com a volta de eventos presenciais, a Semana vai voltar ao formato pré-pandemia ou será híbrida para atingir mais pessoas? A previsão é de que a 28ª Semana de Tecnologia Metroferroviária aconteça de 13 a 16 de setembro de 2022, em local a ser definido. A 28ª STMF deve ter sim o formato híbrido: uma parte presencial somada a atividades online. A primeira nos proporciona o contato mais próximo com nosso público e parceiros. A programação online permite a ampliação de nosso alcance geográfico, ampliando o acesso a nossos espectadores em todo o Brasil. Quais são as expectativas para o evento do ano que vem? Planejamos manter o formato de apresentação de trabalhos técnicos, realização de painéis temáticos e workshops, além do espaço METROFERR Lounge Experience, destinado aos estandes dos nossos patrocinadores e parceiros. Pretendemos trazer ainda os fóruns regionais METROFERR, já em estruturação no Rio de Janeiro, com a liderança de Cristiano Mendonça (Metro-RJ), e em Juiz de Fora, encabeçado por Leonardo Viana (MRS). Também teremos a AEAMESP Educacional, iniciativa conjunta da Associação com grupos educacionais nos segmentos técnicos e de gestão, permitindo maior acesso e benefício aos associados para cursos de extensão no Brasil e exterior. Além disso, retomaremos as atividades presenciais recreativas. E estamos preparando um projeto disruptivo que tornará a STMF mais interativa e participativa. Aguardem!



FOTO: DIVULGAÇÃO SEMEXE

Cenário

Mais que instrumentos de lazer e saúde, as bicicletas vêm se tornando uma excelente opção na melhoria da mobilidade urbana. Mas ainda há muito que se pedalar para seu uso ser maior, como também o respeito dos motoristas ao modal

VÁ DE BICICLETA

C

ada vez mais, transportes alternativos tomam conta das cidades. Seja por uma questão de economia ou saúde, seja para gerar menos poluição, eles também ajudam a melhorar a mobilidade urbana. Para se ter uma ideia, São Paulo, a maior metrópole do País, sofre com o trânsito e com a poluição, mas em contrapartida é a cidade com a maior malha cicloviária brasileira, com 681 km de extensão. Os dados são da prefeitura da cidade. Segundo levantamento da pesquisadora Glaucia Pereira, do Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana (IPMMU), a capital paulista conta com 1,6 milhão de bicicletas. Como a cidade tem cerca de 12 milhões de moradores, há 13 bicicletas para cada cem habitantes. Por outro lado, dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) indicam que apenas 9 mil delas circulam todos os dias. Mas as “magrelas” se transformaram em símbolo da mobilidade sustentável. A Holanda é o país com maior número de bicicletas, com um total de 16 milhões de bikes para uma população de 16 milhões de pessoas. Calcula-se que em torno de nove pessoas em cada dez habitantes usam bicicletas como parte de suas rotinas e viagens. Em âmbito nacional, são 70 milhões de bicicletas no Brasil. Para uma população atual perto de 213 milhões de habitantes, temos em média uma bike para cada três pessoas.

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De acordo com Cyro Gazola, vice-presidente do Segmento de Bicicletas da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), as cidades que incentivam o uso desse modal melhoram seu nível de qualidade em mobilidade urbana e o fluxo do trânsito, sem falar dos benefícios para o meio ambiente graças à redução da emissão de gás carbônico. Além disso, a bicicleta garante mais qualidade de vida para a população, pois melhora a condição física e reduz o estresse. “O uso da bicicleta cresceu muito durante a pandemia, com o brasileiro redescobrindo esse meio de transporte. Hoje, vemos muitas famílias retomarem o hábito do pedal. Há ainda aqueles que a usam para deslocamentos urbanos e como instrumento de trabalho. Pedalar em segurança é a prioridade. Para estimular o uso da bicicleta como veículo de transporte, é necessário criar políticas públicas que implantem e melhorem a malha cicloviária nas cidades. Isso é fundamental no planejamento urbano dos próximos anos”, conta Gazola. MUDANÇA DE MENTALIDADE Segundo o vice-presidente da Abraciclo, no Brasil grande parte das pessoas ainda usa o carro como principal meio de locomoção. Isso, no entanto, está mudando. Hoje, as pessoas nas grandes cidades querem fugir dos congestio-


namentos e seu consequente estresse. Aliado a esse fator, elas perceberam que pedalar melhora a qualidade de vida, reduz o risco de doenças cardiovasculares e contribui para diminuir a poluição ambiental. “Acreditamos que a demanda por bicicletas deverá continuar em alta. Esse veículo permite que as pessoas cheguem mais rápido ao seu destino, sem enfrentar o trânsito caótico das grandes cidades. Acreditamos que, no futuro, as cidades vão se adaptar para promover e estimular os deslocamentos a pé ou de bicicleta. Além disso, o desenvolvimento de novas tecnologias, como a bicicleta elétrica, irá permitir deslocamentos cada vez mais ágeis, práticos e sustentáveis”, defende Gazola. Para estimular o uso das “magrelas” como meio de transporte, Gazola acredita que seja necessário o envolvimento do poder público na ampliação da malha cicloviária nas cidades, possibilitando uma locomoção com mais segurança aos usuários. “Temos o Programa Bicicleta Brasil, sancionado em outubro de 2018 pelo então presidente Michel Temer. Mas, infelizmente, pouco foi feito. O projeto prevê ampliar a construção de ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas, implantar pontos de locação de bicicletas a baixo custo em terminais de transporte coletivo, centros comerciais e locais de grande fluxo, e até realizar campanhas de incentivo ao uso.” A Abraciclo desenvolve diversos trabalhos e parcerias para a inclusão da bicicleta como meio de transporte e para transformar as cidades em amigas dos ciclistas. Exemplo disso é a parceria firmada pela entidade com a União de Ciclistas do Brasil (UCB) e o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) para a plataforma Ciclomapa. Atualmente, o Ciclomapa já conta com mais de 29 mil quilômetros mapeados em 563 cidades, incluindo ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e calçadas compartilhadas. Com essa parceria, foi possível ter mais acesso às oportunidades e carências dos ciclistas brasileiros para seguir buscando soluções que fortalecem o setor de bicicletas e, consequentemente, as fabricantes nacionais. AMIGO DA BICICLETA Gazola afirma que, infelizmente, no país não existem muitas cidades amigas da bicicleta. “Ainda precisamos desenvolver e implantar uma cultura favorável a seu uso. Para tornar isso viá-

vel, é preciso ter mais projetos de ciclovias, ciclofaixas, faixas compartilhadas e bicicletários. Também é preciso contar com sinalização específica para garantir a segurança dos ciclistas, promover a integração do transporte por bicicleta ao transporte público, e, principalmente, desenvolver campanhas educativas, das quais uma das mais importantes é sobre respeito no trânsito. Todo mundo conhece aquela regra do mais forte proteger o mais fraco”, diz. Nas ruas e avenidas, os motoristas precisam zelar pelos ciclistas que, por sua vez, devem estar atentos aos pedestres. Esse é um dos temas abordados no Guia do Ciclista Seguro que a entidade lançou em 2019. Produzida em parceria com o Instituto Ciclo BR, a publicação mostra ao ciclista o que deve ser checado antes de sair com sua bicicleta, como pedalar nas grandes cidades e circular em vias com ou sem infraestrutura cicloviária e os cuidados que devem ser observados nos passeios com as crianças, além de fornecer dicas de como sair de situações de risco. O guia está no site da Abraciclo (https://www.abraciclo.com.br/site/), disponível para download. Além disso, a associação realiza palestras e participa de discussões com a sociedade. MAIS ACESSO ÀS BICICLETAS Fundada em janeiro de 2019, a Semexe se tornou, em pouco mais de dois anos, a plataforma online de referência na compra e venda de produtos novos e usados dentro do universo da bicicleta. A startup une tecnologia, segurança, conteúdo, atendimento especializado e a paixão pelo ciclismo para oferecer o produto ideal ao fã de duas rodas. De acordo com Rodrigo Afonso, Gerente de Parcerias da Semexe, os meios de transporte em geral apresentam grandes desafios. No que tange à bicicleta, percebeu-se que nos últimos anos houve uma evolução ainda tímida, mas progressiva. Com a expansão de ciclofaixas e ciclovias, além da melhora da qualidade de asfalto, o número de ciclistas tende a aumentar exponencialmente. “Desde a infância, somos incentivados a pedalar, logo o ato de andar de bicicleta traz memórias afetivas muito fortes, auxilia o meio ambiente, diminui a emissão de gases poluentes e melhora a saúde do praticante. Então, com mais oferta de quilômetros, mais pessoas tendem a utilizar.” Ele defende mais investimento no transporte cicloviário não só pela questão de ser

O uso da bicicleta cresceu muito durante a pandemia, com o brasileiro redescobrindo a bicicleta Cyro Gazola, vice-presidente da Abraciclo

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uma empresa que vende o modal. “Em julho deste ano, a revista científica Environmental Research divulgou um estudo sobre o impacto do sistema de bicicletas compartilhadas na saúde dos estadunidenses. Como resultado, eles perceberam que houve redução de 4,7% de mortes prematuras e economia de 36 milhões de dólares aos cofres do país, pois a prática de exercícios melhora a qualidade do ar e de outros fatores, que levam menos pessoas aos hospitais. Esse é apenas um dos milhares de estudos realizados nas últimas décadas, em diversas regiões, demonstrando a efetividade da adoção do pedal no dia a dia.” Andar de bicicleta, seja para deslocamento urbano ou lazer, melhora a qualidade física e mental do praticante, estimula diversos músculos, gera um senso mais aguçado de colaboração e sensibilidade no trânsito e auxilia na diminuição da poluição do ar, entre outros aspectos.

Hoje, gestores, políticos e técnicos, com algumas exceções, é claro, já falam muito em bicicletas e planejamento cicloviário Zé Lobo, Diretor-Executivo da Associação Transporte Ativo (TA)

MOBILIDADE URBANA E BICICLETAS “CAMINHANDO JUNTAS” No que tange à relação entre mobilidade urbana e maior uso de bicicletas, Afonso entende que são dois pontos que caminham juntos. Para ele, a melhora da qualidade urbana brasileira passa pela integração dos meios de transporte e a oferta de equidade para quem deseja ir a pé, de carro, metrô, ônibus, moto ou bicicleta. Privilegiando um meio, acaba-se deixando os outros de lado. Por isso, é importante que a pessoa possa escolher o meio ideal e tenha segurança no percurso. No caso da bicicleta, o espaço médio ocupado por ela em comparação com o carro, por exemplo, pode auxiliar na diminuição de congestionamentos e na melhora física do praticante. “Conferir a distância entre locais de origem e chegada ajuda nessa adoção. Sabemos que se a pessoa começar a pedalar curtas distâncias, em breve ela expandirá e terá confiança para trajetos maiores. Então, acreditamos que a convivência entre os meios é a melhor solução. Na Europa, mais especificamente na França, Itália e Países Baixos, esses fatores estão unidos. E todos eles seguem as diretrizes previstas para diminuir os gases poluentes da atmosfera e contribuir com o meio ambiente mais limpo”, diz. Para ele, grandes cidades precisam investir na expansão de ciclovias e ciclofaixas, na adoção de medidas educativas de trânsito para evitar acidentes, em fiscalizar melhor os espaços

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urbanos e incentivar que as pessoas, cada dia mais, se sintam seguras e apoiadas para pedalar. “Neste período de pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou a bicicleta como principal meio de transporte para evitar a proliferação do Covid-19. E vários países criaram projetos públicos e de incentivo para adotar as duas rodas. É um movimento que vai ganhando forças. Quanto mais cedo as pessoas aderirem, melhor será a qualidade de vida delas e da população em geral”, complementa Afonso. INVESTIR EM TRANSPORTE CICLOVIÁRIO SÓ TRAZ BENEFÍCIOS “A falta de preparo das vias para receber ciclistas, o descaso dos gestores para com o tema, a falta de educação e respeito dos motoristas e a violência de nosso trânsito. São todos desafios relativamente fáceis de serem resolvidos a partir do momento que os gestores tomarem conhecimento do potencial das bicicletas para a solução de problemas nas grandes cidades.” Essa é a opinião de Zé Lobo, Diretor-Executivo da associação Transporte Ativo (TA), Organização da Sociedade Civil voltada para qualidade de vida pela utilização de meios de transporte a propulsão humana nos sistemas de trânsito. Ele é um grande defensor e ativista do uso de bicicletas como alternativa aos meios tradicionais de transporte. Para ele, investir em transporte cicloviário é investir na cidade como um todo: no trânsito mais saudável e seguro, em cidadãos mais saudáveis, felizes e tranquilos, na menor emissão de gases poluentes e causadores do efeito estufa, em menos ruído. Uma cidade planejada para as bicicletas e para os seres humanos é sempre mais atrativa e com maior qualidade de vida. Sem contar os custos muito mais baixos da infraestrutura para bicicletas e pedestres que para motorizados, gerando economia não só na implantação mas também na manutenção. Zé Lobo cita o estudo realizado pela prefeitura de Copenhague, na Dinamarca, que revelou que a cidade gasta aproximadamente 50 centavos por quilômetro rodado em carro e economiza aproximadamente 30 centavos por quilômetro rodado em bicicleta. Mas o diretor-executivo acredita que ainda há a necessidade de maior conscientização dos motoristas com relação às bicicletas. “Atualmente, as cidades estão preparadas para um convívio pacífico entre carros, motos e bicicletas, pois ele


FOTO: DIVULGAÇÃO CALOI

independe do espaço urbano, embora o desenho e a velocidade das vias tenham enorme influência. Quem parece não estar preparado para esse convívio são muitos motoristas que se julgam donos das vias, e cujas irregularidades cometidas não recebem a devida punição. Esse é um problema que vai além das bicicletas, é uma questão de educação e respeito ao espaço público e ao próximo. Se você for ver as cidades do exterior onde as bicicletas rodam com segurança e consequente alto volume, o respeito pelo próximo nas ruas é a primeira coisa que se nota.” O diretor da TA espera que, criando infraestruturas seguras, reduzindo a velocidade dos motorizados nas vias urbanas, mudando o desenho das vias para algo mais voltado ao ser humano e aos deslocamentos ativos, o uso de bicicletas nas cidades brasileiras seja mais viável. “Lembrando que, se tratarmos os ciclistas com educação e respeito, o gasto com infraestrutura é praticamente desnecessário. Mas esse seria um segundo passo. Primeiro educa-se coletivamente na marra, com regras rígidas para o uso das vias e, em paralelo, educa-se o cidadão como indivíduo, o que pode levar uma geração ou mais para ter um efeito massivo.” “Hoje, gestores, políticos e técnicos, com algumas exceções, já falam muito em bicicletas e planejamento cicloviário, mas ainda não têm isso interiorizado em seus pensamentos. É algo superficial, muitas vezes greenwashing, ou para ‘sair bem na fita’ como gestor moderno, antenado. E, claro, pra colocar no relatório da gestão: ‘olha como eu sou legal!’. Então, o que falta é conhecimento profundo dos benefícios da bicicleta, não apenas para o trânsito, mas para logística, turismo, saúde e economia. Que isso seja parte da informação de qualidade e das decisões dos gestores e dos que pensam e decidem as cidades”, aponta. Para Zé Lobo, a tendência, não só no Brasil, mas no mundo, é de crescimento exponencial do uso de bicicletas nos próximos anos. Independentemente de esforços governamentais, esse movimento já está acontecendo por diversos motivos já citados aqui: saúde, bem-estar, agilidade, economia e transporte eficiente, principalmente se bem integrado ao transporte público. “Dados coletados em diversos locais pelo mundo comprovam que cidades com mais bicicletas têm trânsito mais seguro e eficiente. Por essa informação, podemos prever uma melhora considerável na mobilidade urbana das cidades que abraçam as bicicletas e os modais ativos”, conclui.

PERFIL DO CICLISTA BRASILEIRO • 75,8% - Usam para ir ao trabalho

• • • • • • • • •

25,4% - Escola/faculdade 55,7% - Compras 61,9% - Lazer 82,5% - Pedalam cinco dias ou mais por semana 59% - Usam como meio de transporte há mais de cinco anos 8,2% - Utilizam a bicicleta em combinação com outro meio de transporte 40,3% - Têm renda entre um e dois salários 55% - Levam entre dez e 30 minutos em suas viagens de bicicleta 25,7% - Têm entre 25 e 34 anos de idade Fonte: Associação Transporte Ativo (2018)

PAÍSES COM MAIS BICICLETAS POR HABITANTES NO MUNDO 1º - Holanda 2º - Dinamarca 3º - Alemanha 4º - Suécia 5º - Noruega

Fonte: https://top10mais.org/

6º - Finlândia 7º - Japão 8º - Suíça 9º - Bélgica 10º - China

CIDADES COM MAIOR MALHA CICLOVIÁRIA NO BRASIL • • • • •

São Paulo (SP) Brasília (DF) Rio de Janeiro (RJ) Fortaleza (CE) Salvador (BA)

• • • • •

Curitiba (PR) Rio Branco (AC) Goiânia (GO) Florianópolis (SC) Belém (PA)

Fonte: Portal G1

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Pesquisa

COMO SERÁ O

FUTURO DA MOBILIDADE

URBANA

DEPOIS DA

PANDEMIA?

80 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

Embora o mundo comece aos poucos a voltar à normalidade, a mobilidade urbana deve sofrer muitas mudanças depois da pandemia. Estudo aponta que o brasileiro ainda utiliza o carro como principal meio de locomoção


N

as nove principais regiões metropolitanas do Brasil, foram entrevistadas 575 pessoas entre 18 e 45 anos (52% homens e 48% mulheres) que possuem carros. O estudo apontou que 47,6% dos brasileiros devem continuar em home office mesmo depois da pandemia. A média de dias trabalhados foi 4,7 por semana. Para 52,8% dos entrevistados, esse cenário já mudou a relação com os automóveis que têm em casa. De acordo com o estudo, por medo de contágio, 82,4% dos entrevistados utilizam o carro como principal meio de locomoção. Já 44,7%, usam táxi ou aplicativo. Ônibus é usado por 26,3% e apenas 27,4% dos entrevistados se deslocam a pé, apesar do home office. O metrô, por sua vez, tem 18,2% de preferência. “A mobilidade urbana ajuda a retratar e a entender a atualidade. E, no contexto atual, mostra que, quando possível, as pessoas procuram evitar as aglomerações dos transportes públicos não apenas pelo conforto, mas também por uma questão de saúde”, avalia o diretor da HSR-Route Automotive, Wladimir Molinari. Segundo ele, com o avanço da vacinação e o consequente retorno à normalidade, o transporte público deve recuperar espaço: 32,1% dos entrevistados dizem que pretendem priorizar o ônibus ao fim da pandemia, e 22,2% devem optar pelo metrô. Vale destacar que o estudo foi realizado entre os dias 24 de março e 7 de abril, quando boa parte da população ainda não estava vacinada. Formada por uma equipe de especialistas, a HSR-Route Automotive acompanha o mercado automotivo há mais de 20 anos, conduzindo estudos qualitativos e quantitativos para grande parte das montadoras do país, no Brasil e em toda América Latina.

PANDEMIA HOME OFFICE ATUALMENTE, ESTÁ EM HOME OFFICE?

66,1% SIM

HOME OFFICE FREQUÊNCIA

MÉDIA DE DIAS POR SEMANA

4,7 15,9%

4,5% 2 DIAS

3 DIAS

47,6%

15,2%

SIM

NÃO SABE

UTILIZADOS HOJE PRETENDE UTILIZAR AO FINAL DA PANDEMIA

74,1%

47,0% 27,4%

CARRO PARTICULAR (PRÓPRIO)

37,2%

NÃO

MEIOS DE LOCOMOÇÃO UTILIZADOS NO DIA A DIA

44,7%

4 DIAS OU +

CONTINUARÁ EM HOME OFFICE APÓS A PANDEMIA?

CARRO AINDA É SONHO DE CONSUMO Embora o transporte público comece a ser mais usado pela população, o carro novo é o sonho de muitos brasileiros. A pesquisa da HSR-Route Automotive mostrou que 61,4% dos

82,4%

79,6%

TÁXI/UBER

22,2%

FAÇO TUDO A PÉ/ USO MUITO POUCO TRANSPORTE

26,3%

32,1%

ÔNIBUS

23,9%

35,6%

30,6%

BICICLETA (PRÓPRIA)

18,2%

22,2%

METRÔ

26,1% 15,4%

14,3%

CARRO PARTICULAR (DA FAMÍLIA)

10,4%

9,9%

CARRO PARTICULAR (CARONA)

4,3%

7,1%

TREM

OUTROS

| SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 81


entrevistados, todos já com pelo menos um carro na garagem, trocariam de automóvel se tivessem R$ 70 mil à disposição. Com esse valor extra, a opção “compraria ou trocaria de carro” só fica atrás da alternativa “investiria ou colocaria no banco em aplicações” (78%), mas à frente das respostas “pagaria dívidas minhas ou de familiares (45,8%)”, “viajaria a lazer” (45,2%) e “faria um curso de aperfeiçoamento” (25,5%). À pergunta “o que você faria caso tivesse R$ 70 mil”, o entrevistado podia dar três respostas. “Além de ser um meio individual e bastante seguro, o carro é extremamente versátil, já que é possível utilizá-lo para o trabalho, o estudo e o lazer. Outra modalidade que vem ganhando cada vez mais destaque é o serviço de assinatura”, avalia o diretor da HSR-Route Automotive. Esse quadro pode ter uma análise diferente se pensarmos em uma pesquisa pós-pandemia, mas o desejo de ter um carro independe do isolamento social que vem ampliando o fim de algumas restrições sanitárias, ainda mais com os bons números da vacinação no país. Vale lembrar que o estudo foi realizado com as regras restritivas ainda em pleno vigor nas grandes cidades.

JOVEM TEM SEU PRÓPRIO PENSAMENTO Os entrevistados mais jovens, na faixa dos 18 aos 24 anos, têm uma visão diferente dos mais velhos. Por exemplo, enquanto de modo geral 82,4% dos entrevistados utilizam o carro como principal meio de locomoção, entre os jovens esse número é de apenas 29,6%, que pula para 39,9% quando se pergunta qual meio de locomoção eles devem usar depois da pandemia. Da mesma forma, o jovem parece não se interessar em ter um carro. Se no geral 61,4% dos entrevistados já com pelo menos um carro na garagem trocariam de automóvel com R$ 70 mil à disposição, esse número cai para 47,9% entre os pesquisados de 18 a 24 anos. Interessante ver que nesse mesmo estudo feito antes da pandemia, em 2019, o total foi de 36% nessa mesma faixa etária. E O FUTURO, COMO SERÁ? Com relação à mobilidade no futuro, 28,4% dos jovens acreditam que será melhor, com menos trânsito, menos carros nas ruas e mais transporte coletivo já nos próximos

78,0%

APLICAÇÕES O QUE FARIA CASO TIVESSE R$70K

61,4% 45,8%

APLICAÇÕES QUE FARIA PRINCIPAL APLICAÇÃO

45,2%

32,0% 25,5%

22,6% 16,4%

22,3%

16,3%

14,3% 4,4%

Investiria ou colocaria no banco em aplicações

Compraria / trocaria de carro

Pagaria dívidas minhas / familiares

Utilizaria com viagem de lazer

Faria um curso de aperfeiçoamento

5,0%

1,7% Gastaria com coisas para uso pessoal

Faria um intercâmbio no exterior

7,8% 1,5% Compraria / trocaria de moto

APLICAÇÕES O QUE FARIA CASO TIVESSE R$70K (R$40K EM 2019) 71,0%

APLICAÇÕES QUE FARIA 61,7% 36,0%

47,9%

49,0%

45,3% 29,0%

33,8%

48,0%

38,6%

29,0%

34,5%

29,0%

29,1% 9,0%

Investiria ou colocaria no banco em aplicações

33,0%

Compraria / trocaria de carro

Pagaria dívidas minhas / familiares

Utilizaria com viagem de lazer

Gastaria com coisas para uso pessoal

Faria um intercâmbio no exterior

Compraria / trocaria de moto

PRINCIPAL APLICAÇÃO

31,3% 14,0%

Investiria ou colocaria no banco em aplicações

Faria um curso de aperfeiçoamento

9,1%

14,1%

Compraria / trocaria de carro

16,0%

17,4%

Pagaria dívidas minhas / familiares

82 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |

6,0%

9,2%

Utilizaria com viagem de lazer

13,0%

6,9%

Faria um curso de aperfeiçoamento

6,0%

3,5%

Gastaria com coisas para uso pessoal

11,0%

16,2%

Faria um intercâmbio no exterior

2,0%

1,4%

Compraria / trocaria de moto


três anos. Um futuro com mais tecnologia, com carros elétricos ou híbridos e que poluem menos é esperado por 39% dos entrevistados. O estudo também verificou como as pessoas imaginam se locomover no futuro. Temas como tráfego nos grandes centros, fatores ambientais e de sustentabilidade, combustíveis, entre outros, foram analisados pelos entrevistados em uma espécie de previsão para os próximos anos. Os números comprovam a mudança de comportamento do motorista ao longo do tempo. Quanto ao tipo de veículo a ser usado, 53,5% dos entrevistados se veem em carros elétricos ou híbridos nos próximos cinco anos. Além disso, 52% dos usuários de aplicativos pagariam mais por corridas em carros elétricos. “Se em um passado não muito distante a potência do motor era um dos itens de maior importância na escolha de um carro, mesmo que consumisse mais combustível e fosse mais poluente, hoje já não é assim”, conta Molinari. “Com a pandemia, as questões de sustentabilidade ganharam uma atenção muito maior. Outros fatores estão levando os consumidores a repensar a compra, como o aumento constante do combustível, o anúncio da maioria das montadoras em acabar com o motor a combustão até 2035 (realizando investimentos pesados em fábricas de baterias e motores) e a crescente melhoria da tecnologia de carros híbridos e elétricos, trazendo baterias com autonomia cada vez maior. Haja vista que as vendas andam muito bem e os preços estão diminuindo cada vez mais”, avalia. O mundo dos Jetsons parece ser uma realidade para os entrevistados. Mas não em carros voadores, e sim com transportes aéreos cada vez mais em uso. Para 12,7% dos entrevistados, será possível transitar em helicópteros compartilhados e 11% acreditam que até 2026 haverá drones que serão usados no transporte individual. “Em até dez anos, haverá lançamentos de táxis aéreos e helicópteros individuais, entre outras novidades. Realmente, o futuro está chegando rápido, com a vida imitando a arte. Todos se lembram do desenho ‘Os Jetsons’, com seus carros voadores”, conclui Molinari.

MOBILIDADE NO FUTURO COMO IMAGINAM O FUTURO DA MOBILIDADE NA SUA CIDADE NOS PRÓXIMOS 3 ANOS | 2021 MAIS TECNOLOGIA (CARROS ELÉTRICOS / HÍBRIDOS, QUE POLUEM MENOS) 27,4% SERÁ PIOR (MAIS CONGESTIONAMENTOS, MAIS CARROS NAS RUAS) 24,2% NADA / NENHUM / CONTINUARÁ IGUAL 23,4% SERÁ MELHOR (MENOS TRÂNSITO, MENOS CARROS NAS RUAS, MAIS TRANSPORTE COLETIVO) 23,0% MELHORIA NAS VIAS PÚBLICAS 3,4% MAIS BICICLETAS 2,7% VOLTARÁ A NORMALIDADE (PRÉ-PANDEMIA) 2,3% MAIS OPÇÕES DE APP DE MOBILIDADE 1,5% MAIS RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO (RODÍZIO, PEDÁGIO) 0,6%

PÓS-VENDAS DAS CONCESSIONÁRIAS QUAIS CUIDADOS JULGAM SEREM IMPRESCINDÍVEIS PARA LEVAR (OU CONTINUAR LEVANDO) O CARRO EM UMA CONCESSIONÁRIA ENTREGA DO VEÍCULO NÃO APENAS LAVADO, MAS HIGIENIZADO COM ANTIBACTERICIDAS

79,0%

CONSULTOR TÉCNICO USANDO MÁSCARAS

70,2%

RECEPÇÃO COM ÁLCOOL EM GEL DISPONÍVEL

66,9%

ÁREAS DE ESPERA MAIS ESPAÇOSAS E VENTILADAS E COM PROTOCOLOS DE HIGIENIZAÇÃO ENVELOPAMENTO (COM PLÁSTICO) DO VOLANTE E BANCO DO MOTORISTA

62,8%

48,7%

ESPAÇAMENTO MAIOR ENTRE OS HORÁRIOS DE AGENDAMENTOS

46,6%

2019

2021

Nos próximos 5 anos

Nos próximos 10 anos

45% 31% 12%

10% 15%

8%

30%

45% 28% 9%

12% 18%

9%

Mais de 10 anos

MINI HELICÓPTERO OU VEÍCULO AÉREO INDIVIDUAL

25%

41%

29%

17%

12% 10%

11%

29%

33% 16%

20% 20%

14%

12%

8% 10%

21%

30%

33% 34%

45%

50%

HELICÓPTERO COMPARTILHADO

54%

DRONE COMO VEÍCULO

CARRO AUTÔNOMO

32% 36%

37%

CARRO ELÉTRICO ou HÍBRIDO

48%

MOBILIDADE NO FUTURO SE IMAGINAM USANDO...

Não me imagino usando

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VitrinedePRODUTOS

BICICLETAS

VENDEDOR: SEMEXE Cannondale Treadwell EQ Remixte Preço: R$ 7.899,00 (ou 12x R$ 684,61)

Groove Hype 70 27V Preço: R$ 4.199,90 em até 12 x de R$ 371,95

TSW Hunch Preço: R$ 3.899,00 em até 12x R$ 337,94

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FABRICANTE: CALOI Caloi E-Vibe Easy Rider Preço sugerido: R$ 6.419,99

Caloi City Tour Comp 2021 Preço sugerido: R$ 4.309,99

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ACESSÓRIOS

VENDEDOR: BIKE RUNNERS Capacete Absolute Nero New, preto, in-mold com LED – ISP Preço: R$ 132,91 à vista ou 3x de R$ 46,63

VENDEDOR: KALF Selim Ellus Faixa de preço: R$ 70- 100

Camisa ERT New Elite Racing vermelha e preta, ciclismo 20 Preço: R$ 170,91 à vista ou 4x de R$ 44,98

Bretelle ERT Elite, forro gel, campeão mundial preto, ciclismo 20 Preço: R$ 265,91 à vista ou 6x de R$ 46,65

Baú Box Bike Faixa de preço: R$ 180-210

Adesivos refletivos Faixa de preço: R$ 15-30

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Laboratório da mobilidade na escala humana

INOVAR, EXPERIMENTAR E AGIR Somos pedestres, ciclistas, motoristas, motoqueiros, cadeirantes, passageiros de ônibus, de metrô e de trem.

Todos com o mesmo direito de se movimentar pelo espaço público das cidades com autonomia, segurança, eficiência e cortesia.

IVM - Instituto Cidade em Movimento ações internacionais, soluções inovadoras e conhecimento compartilhado.

saiba mais em: www.cidadeemmovimento.org institutocidadeemmovimento

ivmbrasil | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 87


Luiza de Andrada e Silva

ALÉM DOS TRILHOS

PÓS-COVID: OS DESAFIOS DO FUTURO DA MOBILIDADE

A pandemia mostrou que a mobilidade pode ser fator de risco, mas também de cuidado e proteção. Ônibus, metrôs e trens lotados, com oferta reduzida de percursos e horários, aumentaram a contaminação

Luiza de Andrada e Silva Diretora-executiva Instituto Cidade em Movimento (IVM)

Muito se avançou no debate sobre a mobilidade e hoje o tema não está mais limitado à questão de transporte ou na famosa - e ultrapassada - métrica de “a maneira mais rápida de ir do ponto A ao ponto B”. Afinal, chegar rápido ao destino é tão importante quanto chegar em segurança e com conforto, desfrutar da viagem, pagar um preço justo, ter liberdade de escolha de modais etc. Outra abordagem, porém, ainda aguarda atualização: é a que associa inovação às novas tecnologias, fazendo com que o debate sobre mobilidade gire em torno de temas como carros autônomos, IoT (Internet of Things/Internet das Coisas) e smart city. É claro que, além de fascinantes, os avanços tecnológicos respondem a várias questões e demandas, como, por exemplo, a redução de emissões de carbono, que não é um tema menor. Mas a inovação não depende somente de novas tecnologias. Como vimos nos últimos tempos, até mesmo um vírus promove inovação, acelerando ou transformando as maneiras de ocupar e circular pela cidade. A pandemia da Covid-19 mostrou que a mobilidade pode ser fator de risco, mas também de cuidado e proteção. O perigo provocado pela falta de qualidade no transporte público ficou evidente. Ônibus, metrôs e trens lotados, com oferta reduzida de percursos e horários, aumentaram a contaminação. E o retorno ao carro particular como cápsula protetora se opõe a toda a agenda de sustentabilidade e redução das emissões. Por outro lado, os espaços públicos ganham destaque quando a pauta profilática demanda distanciamento social e espaços arejados.

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Neste novo contexto, é fundamental identificar quais mudanças podem ser realmente transformadoras da mobilidade urbana. Afinal, ninguém quer voltar à “normalidade” caótica, desigual, poluente e estressante de antes. A ocupação e ressignificação dos espaços públicos, o crescimento da adesão por fazer percursos a pé, as reivindicações por melhorias no transporte público e as atividades móveis (serviços itinerantes ou por demanda) são algumas das pistas do que está mudando na sociedade. E uma das lições a se levar em conta é a eficácia de medidas para o aqui e agora, em oposição ao otimismo tecnológico com promessas para um futuro longínquo, desenhadas para realidades muito diferentes das nossas ou apenas para poucos cidadãos mais ricos. A mobilidade é, acima de tudo, uma competência social. É nossa habilidade de dar sentido ao movimento. Sendo assim, precisamos olhar para as pessoas e refletir sobre o modo como vivem, trabalham, se casam, estudam etc. para então entender como e por que se deslocam pela cidade. O eixo de análise e de inovação é social, e não técnico. Precisamos dessa ótica para o desenho de políticas públicas e para que cidadãos assumam novos comportamentos agora que estamos retomando as atividades nas cidades. Esta é uma boa oportunidade para ressignificar e reavaliar os custos - social, ambiental, econômico, sanitário - da mobilidade, que têm sido altos demais para todo o planeta.


ALÉM DOS TRILHOS

Angela França

NO COMPASSO DO TEMPO VIVE O RELÓGIO DA CENTRAL O relógio da Central do Brasil, o maior equipamento do tipo, é mais um dos inúmeros cartões postais conhecidos da cidade do Rio de Janeiro. Localizado entre o 22° e o 26° andares da torre da Estação D. Pedro II, a 110 metros do nível do mar, é o maior relógio de quatro faces do mundo. O Big Ben carioca, inaugurado em 1943, é referência arquitetônica e histórica. Seu sistema original, construído pela IBM, era controlado por dois relógios a pêndulo, com sistema mestre/ escravo, que, em caso de falha, aciona uma comutação automática, evitando a paralisação. Em 1993, os relógios-mestres foram substituídos por relógios a quartzo, sem desativar o sistema antifalha original. Apesar de ser um dos locais mais conhecidos da cidade, a torre do relógio, quando era aberta à visitação, recebia um público escasso, devido a inexistência de divulgação e pelo desconforto dos elevadores, impróprios para a condução constante. O deslocamento dos ponteiros é uma das curiosidades da torre. A cada minuto, ocorre um ruído estrondoso. Os relógios só eram paralisados para manutenção preventiva e troca de lâmpadas. Quando a paralisação ocorria, os moradores de Santa Teresa reclamavam, mesmo sendo avisados antecipadamente pelos técnicos da Flumitrens, antiga operadora ferroviária do Estado e responsável pelo relógio. Ele funcionava como ponto de referência da hora na cidade. Tombado pelo patrimônio histórico e cultural do Rio desde 1996, o monumento exibia sinais de abandono e

descaso do poder público, principalmente com o descompasso entre a hora real e a assinalada por seus ponteiros gigantes. Várias reformas foram feitas, inserindo novos equipamentos e permitindo o funcionamento regular, mas em 2012 o relógio chegou a marcar horários diferentes em pelo menos dois dos quatro lados da torre. Em 1974, após mais de 20 anos sem reformas, voltou a funcionar em setembro, após oito meses em manutenção. Parado novamente por falta de verba para fazer os reparos necessários desde fevereiro de 2017, os ponteiros voltaram a rodar em junho desse mesmo ano. Próximo ao aniversário de 75 anos do mecanismo, que aconteceu em 2018, foi prometida uma reforma, a maior do último quarto de década. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, atual responsável pelo equipamento, ele encontra-se em fase de testes, mas os ponteiros funcionariam em sincronia com os que marcam as horas no interior da estação. Infelizmente, nos dias atuais, em pleno 2021, o relógio da Central do Brasil encontra-se parado novamente. O relógio era cercado por histórias, lendas e curiosidades. Correntes e mulas sem cabeça circulavam livremente por sua torre, provocando pânico em antigos funcionários ferroviários. Pudera: o barulho provocado pela movimentação dos ponteiros, os corredores vazios e os elevadores circulando em horários fora do movimento faziam a imaginação voar mais alto que a construção.

Infelizmente, nos dias atuais, em pleno 2021, o relógio da Central do Brasil encontra-se parado novamente

Engª Angela França Vice-presidente Associação Fluminense de Preservação Ferroviária (AFPF)

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Estação Turística :: Pelo mundo

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Eu amo trens! Muitas vezes tive a oportunidade de inventar vagões de trem em meus filmes - então, fiquei imediatamente satisfeito em dizer ‘sim’ a esta oportunidade da vida real e muito ansioso para fazer algo novo...

PULLMAN BRITÂNICO UMA CELEBRAÇÃO CINEMATOGRÁFICA Os amantes de cinema e dos trens ganham com o lançamento da Belmond, que apresenta uma nova ‘era de ouro’ para o Pullman britânico com carro reimaginado por Wes Anderson

Wes Anderson

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A

través de uma parceria de design cinematográfico exclusivo, o lendário cineasta e visionário criativo Wes Anderson presta uma homenagem à era de ouro do cinema e das viagens: ele recriou o vagão Cygnus a bordo do lendário trem British Pullman, da Belmond, na Inglaterra. Apaixonado por trens e artesanato e famoso por filmes como Viagem a Darjeeling (2007), O Grande Hotel Budapeste (2014) e, mais recentemente, A Crônica Francesa (2021), Wes Anderson conseguiu equilibrar cuidadosamente a preservação histórica do vagão em art déco com uma interpretação moderna de seu design. A diligência é imediatamente reconhecível como um projeto do cineasta por suas linhas simétricas características, paleta de cores exclusiva e estilo art nouveau. O design sob medida oferece uma experiência elevada para os hóspedes, com duas novas cabines privativas no carro. UM DESIGN DETALHISTA Cada carro do British Pullman tem uma história única e continua na vanguarda do design e da artesania. Com a criação do Cygnus, Wes Anderson prestou uma homenagem com sua narrativa onírica às origens do vagão dos anos 1950. O nome do carro deriva do deus grego do equilíbrio, Cygnus, frequentemente personificado como um cisne e imortalizado em uma das constelações mais reconhecíveis no céu noturno. Referências detalhadas ao mito e à lenda podem ser encontradas em todo o design do vagão, nas ondas intrincadas e nos cisnes em detalhes na marchetaria. Da folha de prata meticulosamente posicionada no teto, que reflete como água, aos refrigeradores de champanhe em forma de cisne, a carruagem é uma homenagem à majestosa ave. OFERECENDO UM NOVO NÍVEL DE PRIVACIDADE O carro Cygnus apresenta duas cabines privativas onde cada detalhe do design e da ex-

periência eleva a viagem a bordo do British Pullman a um novo nível de luxo. O espaço íntimo, com marchetaria artesanal de 360 graus, pode ser reservado exclusivamente para até quatro pessoas. E a experiência de alto nível começa na Estação Victoria, em Londres, onde o gerente do trem cumprimenta os hóspedes com embarque prioritário e garante que champanhe à vontade esteja disponível durante toda a viagem. Menus britânicos contemporâneos são servidos em louças especiais, com requintes adicionais do Chef Principal do British Pullman e coquetéis exclusivos servidos em copos disponíveis apenas na cabine privativa. Os hóspedes também podem viajar no vagão aberto como parte da experiência Pullman regular ou optar por reservá-lo inteiro para grupos e festas de até 26 pessoas. UMA CELEBRAÇÃO CINEMÁTICA Arnaud Champenois, vice-presidente sênior de marca e marketing da Belmond, comenta: “Aqui somos guardiões de um patrimônio atemporal. Estamos sempre buscando novas maneiras de nos mantermos relevantes e criar novas aventuras lendárias. É nossa missão manter vivos os sonhos de viagem, colaborando com os talentos mais criativos, que compartilham nossa paixão pelo design e pela arte. É um privilégio trabalhar com Wes Anderson, um dos mais cativantes contadores de histórias do mundo e uma verdadeira lenda. ”

... ao mesmo tempo, participando do processo de preservação que acompanha todos os projetos clássicos de trens da Belmond. Eles estão mantendo algo especial vivo, transformando essa espécie de viagens em extinção em uma nova era de ouro. Wes Anderson

O DETALHE FINAL British Pullman, um trem de luxo da Inglaterra, oferece uma série de viagens de um dia ao longo do ano a partir da Estação Victoria, de Londres. Para reservar ou obter mais informações, visite o site www.belmond.com ou ligue para 0845 077 2222. fonte: Belmond

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Estação turística :: Pelo Brasil

EXPRESSO VALE DAS FRUTAS

Trem da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária ligou cidades de Valinhos, Vinhedo e Louveira 92 | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 |


Mais sobre o Expresso Vale das Frutas

D

e 25 de setembro a 12 de outubro, sempre aos fins de semana, os passageiros puderam circular por Valinhos, Vinhedo e Louveira em um trem histórico. Realização da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) em parceria com a Vale das Frutas Convention & Visitors Bureau e a Associação de Preservação Histórica de Valinhos, o projeto inédito veio atender ao anseio dos municípios da região no interior de São Paulo conhecida como Vale das Frutas. A viagem de trem é um atrativo que aquece a economia local, trazendo visitantes curiosos, ávidos pela experiência de passear em um trem turístico, coisa que muitos só viram por filmes. Já os passageiros mais experientes puderam voltar ao passado, onde era comum viajar pelas ferrovias brasileiras. São três paradas, uma em cada cidade, nas três respectivas estações ferroviárias centenárias tombadas pelo Patrimônio Histórico. Em Louveira, localiza-se a estação de maior porte e mais restaurada, onde se pode encontrar frutas e flores típicas da região em uma feira gastronômica montada para recepcionar os turistas, fomentando o comércio, o setor hoteleiro e os expositores locais. TRENS COMEMORATIVOS Esse projeto da ABPF do Expresso Vale das Frutas se encaixa no modelo de trens comemorativos pontuais que a entidade organiza já há alguns anos, segundo demanda e viabilidade para tal. Segundo Bruno Sanches, diretor-presidente da ABPF, “Nem todos os locais oferecem condições de termos um passeio de trem permanente, como tantos outros na ABPF. O permanente precisa de um pouco mais de estrutura própria para armazenar a composição e fazer manutenção, o que no trem comemorativo conseguimos contornar pontualmente. Por isso desenvolvemos esse trabalho do passeio itinerante. Já existia há alguns anos esse apelo no

FOTOS: BEATRIZ GOMES DE ARRUDA

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Acima a estação e plataforma de Vinhedo

O trem é praticamente um museu ambulante, cada carro é de uma época diferente, com suas características próprias. Bruno Sanches

Vale das Frutas em ser contemplado com o passeio, e não descartamos fazer uma nova edição aqui.” A composição, para chegar e circular nessa região, passou por três ferrovias diferentes, operadas por três grandes parceiros do projeto, a Rumo, a MRS e a CPTM. Grande parte desse trem saiu de Guararema via MRS, entrou na CPTM e atravessou toda a Grande São Paulo, chegando a Jundiaí, onde ficou estacionado no pátio da MRS. O diretor-presidente prossegue: “São grandes parcerias, porém grandes desafios ao mesmo tempo. Todas empresas têm exigências técnicas que temos de atender. A composição passa por vistoria técnica dos três parceiros, então ela está toda homologada pra rodar nessas ferrovias. No Brasil, felizmente ou infelizmente, só temos a ABPF fazendo isso. É uma operação de guerra mesmo, uma grande vitória e um orgulho.”

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A ASSOCIAÇÃO Fundada em 1977, a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) é uma entidade civil de cunho histórico, cultural e educativo e sem fins lucrativos . É a maior organização para gestão e guarda de bens ferroviários históricos no país. Os recursos financeiros necessários para a manutenção de toda a infraestrutura e do material rodante são obtidos a partir dos valores pagos pelos visitantes nos bilhetes, bem como colaborações dos associados e parcerias. Hoje, a ABPF mantém mais de 90 km de linhas próprias, em grande parte recuperadas ou até mesmo reconstruídas pela entidade. Boa parte do acervo está abrigada nos Museus Dinâmicos, situados nas cidades Antonina (PR), Apiúna (SC), Campinas (SP), Guararema (SP), Passa Quatro (MG), Piratuba (SC), Rio Negrinho (SC), São Lourenço (MG) e São Paulo (SP). O trabalho social está presente no cotidia-


Equipe da ABPF com o diretorpresidente Bruno Sanches ao centro, durante parada na estação de Valinhos. Abaixo, a estação reformada de Louveira, polo gastronômico e cultural.

no da associação, com um programa de acesso sem custo para os alunos da rede pública de ensino dos municípios onde os trens circulam, incentivando a educação patrimonial. Comumente, também são realizados passeios para arrecadação de donativos ou renda de bilheteria, revertidos a instituições filantrópicas dos municípios, hospitais, APAEs, etc. Durante a viagem, os visitantes têm a oportunidade de vivenciar o meio de transporte utilizado por nossos antepassados. Nos últimos anos, os trens comemorativos têm se tornado cada vez mais presentes nas atividades da associação, percorrendo trechos diferentes dos trens fixos. Apresentam temáticas diversas, geralmente de acordo com a região que percorrem, como os trens especiais de Natal, enfeitados com adornos e iluminação e com o Papai Noel a bordo, chegando em diversas cidades e comunidades que margeiam as linhas férreas.

A COMPOSIÇÃO O trem do Vale das Frutas, com capacidade para 300 passageiros, é praticamente um museu ambulante, já que cada carro da composição é de uma época diferente, com suas características próprias. A malha sobre a qual o expresso viaja tem 150 anos, pertencia à extinta Companhia Paulista de Estradas de Ferro e era utilizada para escoar café nos tempos de ouro da cafeicultura no interior do Estado. A composição foi tracionada pelas locomotivas C30-7 da ABPF, decoradas com pinturas comemorativas alusivas à Companhia Paulista e sua sucessora FEPASA, além de carros de passageiros originários da antiga Companhia Paulista (CP) da Estrada de Ferro Araraquara (EFA) e da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Foi uma grande oportunidade para o público ter contato com um rico acervo e ter a vivência de como eram as | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 95


FOTOS: DIVULGAÇÃO

As fotos mostram os diferentes carros da Composição: 1 e 2 - Locomotivas C30-7, que tracionaram a composição 3 - Carro Pullman, de 1952 4 - Carros de aço inoxidável da década de 60 5 - Carro de aço carbono, da década de 70 6 - O último carro a compor o Expresso foi o Caboose de 1973

antigas viagens. Os seguintes carros integram a composição: - O Pullman, da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro, foi fabricado nos Estados Unidos em 1952 pela Pullman-Standard, empresa conhecida pelo alto padrão de qualidade, conforto e luxo dos seus produtos. Era utilizado nos principais trens de passageiros da CP, os famosos “R”. - Os de aço inoxidável, fabricados no Brasil pela MAFERSA para trafegar na Estrada de Ferro Araraquara nos anos 1960, sob licença da Budd dos Estados Unidos, que os utilizava

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em seus principais trens de passageiros. O carro salão-bar era um desses, e foi transformado em Salão-Bar pela FEPASA, sendo o único ainda existente que sofreu essa transformação. - O de aço carbono, foi construído pela EFCB na década de 1970 e utilizado em diversos trechos daquela ferrovia, até ser desativado; após décadas fora de serviço e exposto às intempéries, foi resgatado e totalmente recuperado pela ABPF, estreando no Expresso Vale das Frutas. - O último carro a compor o Expresso foi o Caboose. Era um vagão especial, usado no final dos trens de carga americanos, normalmente onde o condutor e o guarda-freios preenchiam sua papelada, resolviam problemas mecânicos, cozinhavam refeições e dormiam. Esse modelo específico foi fabricado em 1973 pela Cia. Santa Matilde para a EFCB para utilização nos trens do antigo projeto MBR, que não foi à frente. Com isso, esses carros saíram de circulação. Esse é hoje o único Caboose do tipo no país operando com fins turísticos. por Bruno Panseri


Agenda 08 E 09 DE MARÇO 2022

Evento: Congresso ABCR BRASVIAS – Bienal das Rodovias Local: Centro Internacional de Convenções do Brasil – Brasília/DF www.congressoabcrbrasvias.com.br

09 E 10 DE MARÇO 2022

Evento: Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria CNI/SEBRAE Local: WTC – São Paulo/SP www.congressodeinovacao.com.br

15 A 17 DE MARÇO 2022

Evento: NT Expo – Negócios nos Trilhos Local: São Paulo Expo - São Paulo/SP www.ntexpo.com.br

29 DE MARÇO A 01 DE ABRIL 2022

Evento: FEICON Local: São Paulo Expo – São Paulo /SP www.feicon.com.br

10 A 12 DE MAIO 2022 Evento: RailTex - InfraRail Local: London/ Inglaterra www.railtex.co.uk

16 A 20 DE MAIO 2022

Evento: Summit Mobilidade Local: formato digital www.summitmobilidade.estadao.com.br

07 A 09 DE JUNHO 2022

Evento: Brasil Ecomondo – Feira de Soluções Tecnológicas para Gestão da Sustentabilidade Local: São Paulo/SP www.ecomondobrasil.com.br

07 A 09 DE JUNHO 2022

Evento: ECOENERGY Local: São Paulo Expo – São Paulo/SP www.feiraecoenergy.com.br

13 A 16 DE JUNHO 2022 Evento: TranspoSul Local: Porto Alegre/RS www.transposul.com

22 A 24 DE JUNHO 2022 Evento: Rail Solutions Asia Local: Kuala Lumpur/ Malasia www.tdhrail.co.uk

25 E 26 DE JUNHO 2022

Evento: Global Agribusiness Forum Local: Sheraton WTC Hotel - Sao Paulo/SP www.globalagribusinessforum.com

16 A 18 DE AGOSTO 2022

Evento: FEIPUR Local: São Paulo Expo – São Paulo/SP www.feiplar.com

30, 31 DE AGOSTO E 01 DE SETEMBRO 2022

Evento: Logistique Local: Pavilhões da Expoville – Joinville/SC www.logistique.com.br

de Logística Local: Jundiaí/SP www.feiradelogistica.com

04 E 05 DE OUTUBRO 2022

Evento: Connected Smart Cities & Mobility e AirConnected Local: Centro de Convenções Frei Caneca (presencial) e plataforma de transmissão online – São Paulo/SP www.connectedsmartcities.com.br

01 A 06 DE NOVEMBRO 2022

Evento: Salão Duas Rodas Local: São Paulo Expo – São Paulo/SP www.salaoduasrodas.com.br

16 A 20 DE NOVEMBRO 2022

Evento: Movimat Local: São Paulo Expo - São Paulo/SP www.expomovimat.com.br

16 A 20 DE NOVEMBRO 2022

Evento: FENATRAN Local: São Paulo Expo - São Paulo/SP www.fenatran.com.br

30 DE AGOSTO A 02 DE SETEMBRO 2022

Evento: M&T Expo Local: São Paulo Expo – São Paulo/SP www.mtexpo.com.br

20 A 23 DE SETEMBRO 2022 Evento: Innotrans Local: Berlim/Alemanha www.innotrans.de

21 A 23 DE SETEMBRO 2022 Evento: Busworld Latin America Local: Buenos Aires/ Argentina www.busworldlatinamerica.org

Dia nacional do maquinista ferroviário

20 OUTUBRO 2022

Dia do metroviário

26 DE OUTUBRO 2022 Dia do engenheiro

11 DE DEZEMBRO 2022 Salão do Automóvel

DATA A CONFIRMAR Semana de Tecnologia Metroferroviaria

DATA A CONFIRMAR

SETEMBRO 2022

Evento: Brasil Log - Feira Internacional | SOBRETRILHOS DEZEMBRO DE 2021 | 97


CuriosIdades

TÚNEL DO

ROCHEDO E VIADUTO DO

CARVALHO Um dos pontos mais bonitos da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, também foi um dos maiores desafios para os engenheiros e construtores. O projeto original era a construção de um grande túnel em curva, porém, parte do teto desabou. Após um estudo geológico mais detalhado, verificou-se que a única maneira de manter a ferrovia por aquele traçado, seria derrubar a face da montanha com explosivos, construindo um viaduto no local, que viria a ser o primeiro viaduto em curva no mundo. @sobre_trilhos Instagram de Celso Eduardo Scarparo Foto @the_ruan.arquiteto Fonte do texto @patrimonio_belga_no_brasil

O viaduto é assentado sobre cinco pilares de alvenaria com alturas diversas, variando de 8 a 12 metros do lado da montanha, na encosta da própria rocha, o que provoca a sensação de uma viagem no espaço. A boca do Túnel do Rochedo, após o desabamento e explosões, se tornou esse espetáculo à parte.

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